Autor: Paulo Granjo
(2) Uma economia dependente e “auto-insustentável”
A economia moçambicana, durante anos apresentada pelo FMI e pelo Banco Mundial como um exemplo de sucesso, assenta ao longo dos últimos 24 anos em bases que tornam estatísticas como o PIB ainda mais enganadoras do que é hábito.
Com reduzida atividade produtiva, à exceção de um setor primário largamente familiar e de algumas grandes empresas intensivas em capital estrangeiro, a vida económica monetarizada e os florescentes comércio e serviços citadinos tornam-se viáveis devido à recirculação do permanente caudal de meios financeiros vindos do exterior.
Para se ter uma ideia, a comparticipação direta de governos estrangeiros no orçamento de estado, que com a crise na Europa e um aumento das receitas fiscais se situa agora na casa dos 30%, atingiu regularmente 50 a 60%. Mas mesmo então, essa comparticipação nunca representou mais de 20 a 25% do dinheiro que entrou anualmente no país, através de atividades de “apoio ao desenvolvimento” promovidas por instituições internacionais, governos estrangeiros e ONG.
Fonte: http://infodiario.co.mz/
Isto quer por um lado dizer que, medindo o PIB a circulação contabilizável de riqueza e não a sua criação, as substanciais taxas de crescimento registadas até alguns anos atrás são mesmo inferiores ao mero efeito contabilístico desse influxo, só se explicando que não fossem maiores devido à recirculação de parte desse dinheiro fresco na “economia informal” e ao eventual entesouramento de outra parte.
Quer isso também dizer que o próprio suprimento de bens de consumo às populações urbanas (largamente importados) e a viabilidade das atividades de comércio e serviços dependem da continuidade desses influxos. O financiamento externo a fundo perdido é um pilar fundamental da economia moçambicana que, tomada como um sistema fechado e na ausência dele, seria insustentável mesmo com os modestos padrões de consumo da esmagadora maioria da população.
Fonte: http://www.mmo.co.mz/
Por fim, isso quer dizer que a acumulação financeira das elites económicas nacionais passa pela captação desses fundos, seguida da aplicação de parte deles nos sectores comerciais e de serviços. Dessa forma, o modelo de investimento autóctone – enquanto parceiros viabilizadores de projetos externos, empresários terciários ou líderes locais da própria “indústria desenvolvimentista” – reproduz o ciclo de dependência e alimenta-se dele.
Sem alterar no imediato este quadro, a recente confirmação de enormes reservas de gás natural ao largo da província de Cabo Delgado era passível de introduzir significativas nuances. Numa perspetiva de interesse público, a sua exploração (ainda longe de começar) poderia aumentar em muito os recursos estatais e as capacidades de investimento público, quebrando a dependência financeira e viabilizando a construção de alternativas económicas autossustentáveis. Numa perspetiva de interesses privados, os ganhos com essa exploração – em comissões, gestão de royalties e parcerias em empresas– representavam negócios sem qualquer paralelo anterior.
Fonte: http://www.rainharvest.co.za/
Para a RENAMO, contudo, só uma rápida renegociação do statu quo político-económico poderia impedir que esses benefícios lhe passassem totalmente ao lado, igualmente passando a sul das províncias do Centro do país onde é predominante e que acusa o governo de desfavorecer. Não causa estranheza, por isso, que as habituais retóricas e táticas belicistas do seu líder fossem levadas um pouco mais longe, em finais de 2012
As elites político-económicas, por seu lado, estavam confrontadas com uma questão de timing. Pelas regras constitucionais (que a FRELIMO poderia alterar, caso nisso concordasse, devido à sua maioria qualificada parlamentar), o Presidente da República atingiria o limite de mandatos antes da chegada de tal maná, sendo um outro dos grupos que a compõem a deter, nessa altura, o fulcro do poder.
Abordarei nos posts dos próximos dois dias as razões para a relevância desses condicionalismos.
Paulo Granjo é Investigador Auxiliar do ICS ULisboa.