Autor: Paulo Granjo
(1) Nem guerra nem paz
Em Moçambique, arrasta-se há mais de 3 anos uma crise político-militar de consequências imprevisíveis.
Remonta a finais de 2012, com um “retiro” do líder do maior partido da oposição – Afonso Dhlakama, presidente da RENAMO – para a sua antiga base de guerrilha em Satungira, reivindicando mudanças na lei eleitoral e o cumprimento de cláusulas do Acordo de Paz firmado 20 anos antes, que previam a integração no aparelho de Estado dos antigos oficiais das suas forças.
Fonte: http://www.voaportugues.com/
Aquilo que, na altura, foi publicamente interpretado como mais uma exigência musculada de negociações com o governo (ocupado pela FRELIMO desde 1975), tendo em mente o acesso aos esperados benefícios da futura exploração das reservas de gás natural há pouco descobertas, acabou por se transformar num rol de recontros armados, ao longo de 2013. Primeiro, num troço limitado da principal estrada do país; depois, através do cerco e ataque a Satungira por parte das forças de elite governamentais, ordenado pelo então Presidente da República, Armando Guebuza.
Na sequência desse ataque, a RENAMO boicotou as eleições autárquicas e registaram-se em Maputo inéditas manifestações apartidárias, apelando à paz. Conversações posteriores permitiram a participação de todos os partidos nas eleições parlamentares e presidenciais de 2014, em que foi eleito o candidato da FRELIMO, Filipe Nyusi.
Fonte: http://www.telanon.info/
Apesar do reiterado empenho do novo Presidente em resolver as tensões por via negocial, 2015 ficou marcado por emboscadas a comitivas de Afonso Dhlakama, pela sua exigência de governar as províncias onde o seu partido fora mais votado, por cercos e assaltos policiais a casas suas e a sedes da RENAMO (alegando buscas de armas) e por notícias de ataques a populações que ambas as partes atribuem aos seus adversários, seguidos de deslocações de refugiados para o Malawi.
As ações policiais continuaram este ano e, enquanto o parlamento funciona com a presença dos deputados eleitos pelos 3 maiores partidos (FRELIMO, RENAMO e MDM), o líder da oposição está escondido em parte incerta.
Moçambique não está em guerra, mas tão pouco está em paz. Na sua estranha combinação de normalidades institucionais e de situações de exceção, não vive sequer, em rigor, um conflito de baixa intensidade.
Fonte: www.noticiasmocambique.com
Sugiro que o que está na base desta situação confusa é, afinal, uma competição por recursos, que poderá nem sequer focar-se prioritariamente nos dois partidos em confronto explícito. Para a compreendermos, teremos que atentar em três fatores que são estruturais em Moçambique e na interação que entre si mantêm:
1 – Uma economia nacional extremamente dependente de permanentes influxos financeiros exteriores e, por esse facto, insustentável na sua ausência.
2 – A estreita ligação entre poder político e poder económico, a par daquilo que está economicamente em causa, conforme se detém ou se deixa de deter os postos-chave do poder político.
3 – Uma cultura de poder autoritária, resultante quer da experiência histórica de exercício do poder e de contrapoderes, quer de novas circunstâncias e de dinâmicas auto-reprodutoras.
São esses os aspetos que abordarei nos posts que aqui publicaremos ao longo dos próximos quatro dias.
Paulo Granjo é Investigador Auxiliar do ICS ULisboa.