Ativismo pelos animais e redes sociais

Por: Ana Vidal

Nos últimos anos, o ‘animal turn’ despertou um interesse académico crescente pelos animais e pelas suas relações com os humanos, desafiando as hierarquias humano-animal e redefinindo o seu papel na sociedade. Este movimento reflete uma transformação interdisciplinar e multidisciplinar que reforça as metodologias multiespécies e a centralidade da questão animal, impulsionando a proliferação dos estudos humanos-animais e dos estudos críticos animais, contribuindo para lhes dar uma maior visibilidade. Simultaneamente, surgiram plataformas como o Facebook, o Twitter ou o Instagram, que possibilitaram às pessoas alargarem os seus contactos e conectarem-se, mas também dar visibilidade aos animais, através da criação de perfis e partilha de imagens.

Na continuidade do que acontece na vida social, os animais são frequentemente o tema de interesses compartilhados online. É neste contexto que as redes sociais têm desempenhado um papel importante no ativismo pelos direitos dos animais, constituindo ferramentas de divulgação de informação, denúncia, ação política e social e permitindo expor os horrores sofridos pelos animais à mão humana, para fins alimentares, turísticos, de entretenimento ou experimentação. As redes sociais também contam histórias inspiradoras e mostram os animais como indivíduos com valor intrínseco, senciência, estados emocionais e motivacionais. No caso dos santuários, as redes sociais são também indispensáveis para a sua subsistência, uma vez que estes dependem quase exclusivamente das doações dos seguidores e da ajuda dos voluntários.

 As redes sociais são também uma ferramenta de construção de comunidades e de identidade social. Nesse caso, de que forma podem elas conduzir a uma transformação efetiva das práticas sociais, ao expor a realidade dos animais, participando assim na construção de um mundo mais justo para todos os seres vivos? Estas reflexões surgem da minha experiência como ativista do Coimbra Animal Save, capítulo local do Animal Save Portugal e do Animal Save Movement, rede global de ativistas que lutam pela libertação animal.

Faço ativismo na rua, na sala de aula, no meu grupo de amigos e no seio familiar, mas é através das redes sociais que consigo um maior alcance. Através do Facebook e do Instagram, partilho imagens e vídeos de matadouros e de outros contextos de violência sobre os animais, mas também de santuários. Penso muitas vezes na eficácia das minhas partilhas. Que impacto terão nas pessoas que as veem?

Matadouros ou santuários?

Surgem então algumas interrogações: que tipo de conteúdo impacta mais as pessoas? Imagens de matadouros ou de santuários? Violência ou cuidado? Estes binários tendem a ser polarizadores. Imagens de matadouros podem gerar um sentido de urgência para a mudança e a ação, mas também provocar repulsa, afastando aqueles que se sentem atacados. Por outro lado, as imagens de santuários inspiram empatia, mas podem ser percebidas como menos urgentes, dificultando a procura de soluções.

Mia de Carvalho, uma das responsáveis e gestora das redes sociais do Coimbra Animal Save, do Animal Save Portugal e do Save & Care – Santuário Animal, partilhou comigo a sua opinião sobre estas questões. Da sua experiência, as imagens positivas, que mostram animais livres para expressar os seus comportamentos naturais e viver sem exploração e crueldade, têm um maior alcance, mais interações e partilhas. A opção por imagens negativas, que mostram animais em sofrimento, abuso ou exploração, pode resultar num menor alcance e, por vezes, na perda de seguidores. No entanto, imagens de violência extrema, embora impactantes, tendem a ter um maior alcance do que aquelas que mostram menor violência.

Vejamos, por exemplo, o caso comovente da porca Rosinha. A Rosinha foi salva de uma vida de negligência, fome e doença pelo Noel e pela Alice. Agora vive com dignidade e cuidado no Save & Care – Santuário Animal. Este caso foi acompanhado por muitas centenas de pessoas que se comoveram com a história da Rosinha e acompanharam a sua recuperação através das redes sociais.

Rosinha; Fonte: Imagem publicada no Instagram do Save & Care – Santuário Animal a 22 de julho de 2024

Ativismo pelos animais e redes sociais à luz do que dizem os estudos

Estudos que se debruçaram sobre estas questões evidenciam que, de forma geral, as pessoas preferem histórias felizes, com a positividade a exercer um impacto maior do que a negatividade no valor de partilha de uma notícia, especialmente no Facebook. Não obstante, outro estudo examinou em que medida o uso de imagens de violência explícita sobre os animais pode ser eficaz no combate ao especismo, isto é, à discriminação daqueles que não pertencem a uma determinada espécie. Para isso, foram analisadas estratégias de comunicação visual, centradas no uso estratégico do choque moral. Concluiu-se que o ativismo pela libertação animal pode beneficiar com esta abordagem.

Por outro lado, um estudo sobre expressões do veganismo no Facebook analisou o léxico usado nas publicações desta rede social, tendo encontrado palavras como “abate” e “assassinato” ao lado de termos compassivos como “cuidar” e “salvar”, sugerindo a coexistência de estratégias para atrair públicos variados, combinando choque e empatia para estimular a ação e o envolvimento dos utilizadores.

Um outro estudo analisou as reações dos consumidores de carne ao ativismo pelos animais, através das redes sociais. Estes consumidores veem este tipo de ativismo como “slacktivism”, isto é, “ativismo de sofá”, considerando as publicações pouco credíveis e os ativistas pessoas ignorantes. O estudo concluiu que é improvável que a informação gerada através das redes sociais mude as perceções dos consumidores de carne, pelo menos na forma como está a ser transmitida. Embora as redes sociais tenham ampliado a comunicação sobre questões relacionadas com a causa animal, o modo como a mensagem é percebida por pessoas que não se sensibilizam com a causa permanece inalterado. Para os autores do estudo, a atual estratégia de comunicação das organizações ativistas nas redes sociais pode não ser eficaz para aqueles que comem carne, e até reforçar a perceção de falta de valores comuns entre consumidores e não consumidores de carne.

Embora os ativistas pelos animais possam gerar grandes quantidades de tráfego online, isso não significa necessariamente sucesso em termos de mudança da opinião do público. Loy questiona de que forma os defensores dos animais podem fazer-se ouvir no cenário dos novos meios de comunicação, em constante mudança, e como podem as suas mensagens efetivamente penetrar nos debates públicos. Defende que os ativistas pelos animais devem adotar narrativas persuasivas, explorar o impacto emocional das redes sociais e associar a causa animal a questões mais amplas, como a justiça social. Estratégias como a colaboração com influenciadores, o uso de imagens impactantes e a adaptação da mensagem ao público-alvo são essenciais para garantir não só visibilidade, mas também mudanças reais na perceção e comportamento da sociedade.

Ativismo digital pelos animais: que futuro?

Numa abordagem de estudos críticos dos animais, torna-se evidente o papel ambíguo que as redes sociais podem desempenhar. Se por um lado possibilitam a ampliação do debate e a visibilização das injustiças, por outro operam dentro de dinâmicas que podem enfraquecer o potencial emancipador destas narrativas. O tipo de conteúdo mais eficaz na mobilização e sensibilização do público continua a ser uma questão em aberto: têm maior impacto imagens de matadouros, que expõem a violência e a crueldade, ou imagens de santuários, que transmitem cuidado e empatia?

Apesar destas ambiguidades, as redes sociais têm um enorme potencial para apoiar a causa animal e fortalecer o trabalho dos ativistas pelos direitos dos animais. No entanto, é essencial que estas plataformas sejam usadas de forma estratégica, com conteúdos que combinem emoções e informação. Ao partilhar histórias, imagens e vídeos que gerem empatia e promovam diálogos construtivos, é possível sensibilizar um público mais amplo, transformando a perceção pública e inspirando ações concretas em prol de um mundo mais justo para todas as espécies.

Ana Vidal, Professora do 1.º CEB, é aluna do curso de pós-graduação Animais e Sociedade do ICS-ULisboa, coordenado por Verónica Policarpo. Este texto foi produzido no âmbito do módulo Animais, Representações e Narrativas, sob a coordenação de Jussara Rowland.

Recursos de ciências sociais na web: Redes Sociais

Autor: Luís Junqueira

Ao longo dos últimos anos, aplicações como o facebook ou linkedin contribuíram para popularizar o conceito de rede social. No entanto, no contexto das ciências sociais a ideia de rede social tem um significado mais abrangente. As redes sociais são um método de representar e organizar dados que pode ser utilizado para estudar uma grande diversidade de fenómenos sociais. Este texto tem o objetivo de servir como uma muito breve introdução ao uso de métodos baseados em redes nas ciências sociais e de apresentação de alguns recursos online para recolher e trabalhar em redes sociais.

O uso de redes como suporte de dados não é obviamente apropriado a todas as situações em ciências sociais. Mas nas situações em que é possível e desejável obter informação sobre as ligações entre os atores sociais envolvidos, o uso de redes apresenta alguns benefícios:

  • Simplifica a visualização de dados complexos. A disponibilidade de ferramentas que permitem manipular a representação de redes através de ajustamentos da posição, cor ou forma dos vértices e arestas facilitam a visibilidade dos elementos considerados relevantes, mesmo em redes densas ou de grande dimensão.
  • Permite que se alterne facilmente entre várias escalas. É possível passar de uma análise dos aspetos estruturais da totalidade da rede para uma análise de partes da mesma (em última instância até aos elementos individuais) mantendo uma ligação entre várias escalas.
  • Para todos os efeitos, uma rede é uma estrutura de dados. Os vértices e as ligações podem conter variáveis semelhantes às usadas habitualmente em trabalhos quantitativos em ciências sociais (género, idade, escolaridade, etc.) e que podem ser integradas na análise.
  • Graças à popularidade das plataformas associadas ao que é frequentemente denominado Web 2.0, assentes em práticas de maior interação e de participação dos utilizadores na produção de conteúdos, estão disponíveis novas fontes de dados que podem ser facilmente estruturados como redes. Análises baseadas em dados do twitter, facebook, wikipedia, etc. tornaram-se populares em algumas áreas das ciências sociais.

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