Por: Carla Gomes
Durante muito tempo considerado um problema dos países do Sul, as secas prolongadas dos últimos anos já lançaram o alerta sobre o risco de escassez de água no resto da Europa. A eficiência hídrica tornou-se uma prioridade, levando ao lançamento de programas de financiamento comunitário para uma “gestão inteligente” da água, em linha com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Neste âmbito, o Horizon 2020 lançou a call CE-SC5-04-2019 – Building a water-smart economy and society, em que foram aprovados os cinco projetos do consórcio CIRSEAU. O primeiro a ser concluído, em Agosto de 2024, foi o B-WaterSmart, uma Research and Innovation Action em que o ICS-ULisboa coordenou a área de Sociedade, Governança e Políticas.
O B-WaterSmart envolveu seis cidades e regiões da Europa, constituídas em “Living Labs” (“Laboratórios Vivos”): Alicante (Espanha), Bodø (Noruega), Flandres (Bélgica), Lisboa (Portugal), Veneza (Itália) e Frísia Oriental (Alemanha). O consórcio foi coordenado pelo IWW Water Centre da Alemanha e envolveu 35 entidades, entre elas instituições de investigação, municípios, entidades gestoras de água e parceiros tecnológicos.
O “Laboratório Vivo” de Lisboa, coordenado pela Câmara Municipal de Lisboa e pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), acaba de ser distinguido nos PT Global Water Awards 2024, na categoria de Investigação, Desenvolvimento e Inovação. O galardão foi anunciado na 19.ª Expo Conferência da Água. No LL de Lisboa, o ICS assumiu o papel de moderador da Comunidade de Prática, plataforma de envolvimento de atores-chave, que terá continuidade através do novo Water-Oriented Living Lab (WoLL) de Lisboa.
O LL Lisboa desenvolveu um conjunto de soluções, incluindo ferramentas de apoio à decisão e à avaliação de risco da agua para reutilização, bem como certificados inovadores para edifícios (que incluem eficiência hídrica e energética) e um observatório para o ciclo urbano da água. O projeto contribuiu, assim, para uma economia circular da água e para a adaptação às alterações climáticas. O LL Lisboa contou ainda com a participação da Lisboa E-Nova, da ADENE (Agência para a Energia), das Águas do Tejo Atlântico e da Baseform.
Crise hídrica requer “abordagem holística”
As alterações climáticas vêm perturbar o ciclo da água, tornando mais desafiante geri-lo ao longo do ano. Por um lado, as secas prolongadas e a redução da precipitação anual têm vindo a agravar o risco de escassez (figura 1). Mas, por outro lado, as cheias catastróficas que têm assolado vários países, como foi recentemente o caso de Valência, em Espanha, vêm alertar para a necessidade de gerir melhor as águas pluviais, criando sistemas de armazenamento que ajudem a prevenir as cheias e a ter água disponível durante o ano. As crescentes pressões sobre os recursos hídricos requerem uma abordagem integrada, que nos últimos anos se tem vindo a assumir sob o conceito de resiliência hídrica. Não está apenas em causa a segurança do abastecimento, como também a manutenção da qualidade da água disponível e a saúde dos ecossistemas.
O uso de pesticidas, que o Pacto Ecológico previa cortar para metade até 2030, tem sido um grande foco de conflito, tendo contribuído para os protestos de agricultores em Março de 2024. No entanto, o problema da poluição da água causada por pesticidas é grave e as metas previstas na Diretiva Quadro da Água estão longe de estar alcançadas, nem em 2015, como inicialmente previsto, nem no prazo alargado de 2027. Apenas 37% das águas superficiais da Europa têm um estado ecológico considerado ‘bom’ ou ‘elevado’, sublinha o relatório sobre o estado da água da Agência Europeia do Ambiente.
Perante sucessivos anos secos, o racionamento de água imposto em pleno inverno tornou-se uma realidade em vários países, incluindo Portugal, Espanha e Itália. No Algarve (Janeiro de 2024) rapidamente geraram protestos do setor agrícola, o mais penalizado pelos cortes. Prevê-se que o acesso à água potável esteja comprometido em 35% da área do continente europeu até 2070, pelo que urge garantir a proteção dos grupos sociais mais vulneráveis.
Figura 1 – De acordo com o Observatório Europeu da Seca, mais de 17% do território UE-27 + Reino Unido estava em nível de ‘aviso’ de seca em Dezembro de 2024. Fonte: https://drought.emergency.copernicus.eu/
Este sentido de urgência deu já origem a uma Iniciativa de Cidadania Europeia (ICE), apresentada em Setembro de 2024, que reclama um plano de ação estratégico e holístico para a água na UE. Uma Estratégia para a Resiliência Hídrica, bem como um novo Ato para Economia Circular, estão entre as prioridades da Comissão Europeia no mandato 2024-2029.
No último Eurobarómetro relativo às “Atitudes dos Europeus sobre o Ambiente” (2024), 78% dos inquiridos apoiam medidas adicionais para enfrentar os problemas de gestão de água na Europa. Quando questionados sobre o papel de cada setor socioeconómico na melhoria da eficiência hídrica, a indústria, o sector elétrico e o turismo são apontados como aqueles que têm feito um menor esforço nesse sentido (figura 2).
Figura 2 – Perguntas sobre água no Eurobarómetro “Atitudes dos Cidadãos Europeus em Relação ao Ambiente” (Maio 2024). Fonte: https://europa.eu/eurobarometer/surveys/detail/3173 (Creative Commons Attribution 4.0 International licence)
Nos inquéritos realizados pelo B-WaterSmart (figura 3), a disponibilidade de dados e a monitorização dos consumos revelou-se a principal prioridade para uma melhor governança da água, seguida da integração entre as políticas setoriais, em particular no nexus água-energia. O financiamento é outra preocupação central, tendo em conta que abordagens eficientes, tais como a reutilização, requerem investimentos avultados em infra-estruturas e sistemas de tratamento.
Figura 3 – Inquérito a stakeholders, B-WaterSmart (N = 60) – Q: Regarding water governance in your region, which of these areas you think need to be improved to ensure the adoption of water-smart solutions, if any?
As soluções desenvolvidas pelo B-WaterSmart, bem como as recomendações de política, pretendem contribuir para uma melhor resiliência hídrica, podendo ser replicadas em outras regiões com desafios semelhantes, na Europa e mais além. Os resultados do B-WaterSmart estão disponíveis nos relatórios publicados ao longo destes quatro anos, incluindo a análise dos modelos de governança em cada país, com recomendações específicas para uma governança adaptativa, bem como uma análise das principais barreiras e fatores impulsionadores para a aceitação social das soluções de gestão inteligente, abrangendo aspetos económicos, sociais e políticos.
Carla Gomes é investigadora nas áreas da justiça ambiental e adaptação climática. Colaborou com o ICS-ULisboa em diversos projetos interdisciplinares, mais recentemente no B-WaterSmart – Acelerando a gestão inteligente da água nas regiões costeiras da Europa (Horizon 2020, Grant Agreement N.º 869171), onde liderou o work package Society, Governance, Policy.
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