Por: Julia S. Guivant
O apelo ao estudo interdisciplinar sobre mudança climática passou a ser bastante consensual, com maior número de periódicos publicando artigos com este caráter, e presente em editais de agências de financiamento. Este destaque está intimamente relacionado com a evidência incontestável sobre o papel da influência humana no clima. A interdisciplinaridade é considerada chave tanto para entender como as sociedades interpretam e respondem às mudanças climáticas quanto para formular e orientar na implementação de políticas públicas para mitigação e adaptação. É importante diferenciar a interdisciplinaridade, o estudo de um problema complexo integrando num esforço coletivo diversas perspectivas disciplinares, sem privilegiar um método ou uma teoria disciplinar, da multidisciplinaridade. Esta estuda um tópico a partir da perspectiva de várias disciplinas ao mesmo tempo, sem procurar integrar estas. E se diferencia da transdisciplinaridade, que tende a ser definida como um tipo de interdisciplinaridade, que procura integrar não apenas disciplinas, mas conhecimentos diversos, fora da academia.
Junto com a demanda por um novo tipo de ciência, cresce também a expectativa de um novo perfil de cientistas; de instituições acadêmicas e privadas que prestigiem o esforço de trabalho interdisciplinar; de transformação de estruturas de departamentos e faculdades; e de estratégias inovadoras de comunicação pública. Entretanto, tal reconhecimento não tem sido suficiente para superar o abismo entre as ciências do clima e as ciências sociais, que tendem a assumir um papel de coadjuvantes. Uma já extensa bibliografia tem apontado os obstáculos e como estes deveriam ser superados para se atingir algum nível de interdisciplinaridade.
Para pensar esses temas é fundamental não partir de um dever ser, mas de uma reflexão vinculada a como se faz a pesquisa sobre mudança climática, que pensam os pesquisadores e que estratégias sugerem para superar os problemas que enfrentam. Esta preocupação orientou minha pesquisa sobre a experiência do Instituto Nacional de Mudança Climática fase 21 (INCT-MC 2), que começou em 2014 e finalizará em 2026, com um design que procura estimular o diálogo e a troca entre pesquisadores de diversas áreas. Entre maio e julho de 2022 realizei 15 entrevistas com articuladores/coordenadores de subprojetos e temas transversais que constituem o projeto. Todos são doutorados, pesquisadores de destaque na comunidade científica brasileira e internacional. Nas entrevistas procurei estimular a explicitação dos pressupostos que impregnam as práticas disciplinares, incluindo os de caráter epistemológico e normativo, que se denominam “metacognições”.
Vários dos problemas mencionados na bibliografia sobre o tema foram citados ou implicitamente tratados nas entrevistas. Entre esses destacamos:
a. dinâmica acadêmica que deixa pouco tempo para investir no trabalho conjunto;
b. falta de tradição, de experiências próprias ou conhecidas;
c. hierarquia acadêmica, com modelo pesquisador-orientandos, que dificulta o diálogo entre pesquisadores de diferentes áreas;
d. necessidade de publicar em jornais de prestígio, que não estimulam interdisciplinaridade;
e. falta de recursos financeiros satisfatórios.
Em relação a este último ponto, os entrevistados mencionam que as agências de financiamento de pesquisa (nacionais e internacionais) demandam projetos interdisciplinares, mostrando-se que há uma estabilização do conceito, mas apontam-se ambiguidades no estímulo efetivo à integração. Sobre o relacionamento com colegas de outras áreas dentro do INCT, os entrevistados observaram problemas de comunicação, por exemplo referente ao uso de um vocabulário diferente.
No referente às metacognições, que influenciam o processo cognitivo, observamos uma reflexividade sobre a interdisciplinaridade, especialmente a partir de experiências diversas fora do INCT-MC2. Apesar de que estas ainda sejam poucas, há consenso sobre como é difícil superar barreiras disciplinares, definidas como muito rígidas e difíceis de transpassar no que se refere à mudança nas instituições num prazo curto, considerando a urgência de enfrentar os desafios da mudança climática.
Em relação ao INCT-MC2, os entrevistados não vêem a situação como algo excepcional. O que enfrentam dentro deste grande projeto é equivalente às dificuldades para implementar a interdisciplinaridade fora do INCT. E os problemas para dialogar com outras disciplinas não se restringem às ciências sociais, já que se estenderiam a outras áreas das ciências do clima. Isto pode ser observado nas restritas parcerias em publicações. Entretanto, a contribuição das ciências sociais ainda é vista de forma difusa e imprecisa por parte dos pesquisadores do INCT, considerando que em sua maioria são das ciências consideradas hard.
Assim, apesar do reconhecimento da importância da interdisciplinaridade na pesquisa sobre mudança climática, no cotidiano a integração ocorre principalmente entre algumas disciplinas relacionadas e os pesquisadores, todos em posições de destaque no meio acadêmico, permanecem dentro de seus campos epistêmicos, sem assumir desafios cognitivos relevantes. Temos assim uma forma de interdisciplinaridade limitada, permeada com metacognições de caráter, principalmente cético, sobre como superar as dificuldades institucionais e pessoais.
Para superar alguns dos problemas, entre as possibilidades sugeridas pelos entrevistados conta-se uma de especial relevância: os financiamentos da pesquisa interdisciplinar em mudança climática deveriam requer que sejam ultrapassadas noções simplistas de colaboração interdisciplinar, outorgando mais recursos e tempo específico para a construção do diálogo e de ambientes mais integrativos.

- No Brasil, os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT) foram criados em 2008 pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). São financiados pelo CNPq, Capes e, no caso dos paulistas, pela FAPESP. Ao todo, são 122 INCTs em 17 estados brasileiros, abrangendo a maioria das áreas de Ciência e Tecnologia. ↩︎
Julia S. Guivant: Doutora em Sociologia, professora titular aposentada do Departamento de Sociologia e Ciência Política da Universidade Federal de Santa Catarina (Brasil), onde atua como professora permanente no Doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas e na Pós-graduação em Sociologia e Ciência Política. Atualmente é pesquisadora visitante no Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa. Email: julia.guivant@ufsc.br