Dois anos de Shared Green Deal: balanço das principais atividades

Por: Mónica Truninger

O projeto Europeu Shared Green Deal foi apresentado num post deste blogue há quase dois anos, a 16 de fevereiro de 2022. Naquela altura, o projeto estava ainda no início de um longo percurso de cinco anos. Por isso, vale a pena fazer agora um balanço das principais atividades realizadas passados dois anos, sobretudo aquelas que envolveram mais ativamente os membros do grupo de investigação SHIFT que fazem parte da equipa deste projeto.

Para recordar, o objetivo do Shared Green Deal é estimular ações conjuntas entre parceiros académicos e não académicos em torno de iniciativas promotoras do Pacto Ecológico Europeu (PEE), em toda a Europa. Para tal, estão a ser utilizadas ferramentas das Ciências Sociais e Humanas (CSH) para apoiar a implementação de oito áreas do Pacto Ecológico Europeu, a nível local e regional. Estas áreas são: Energia Limpa, Economia Circular, Renovações Eficazes, Mobilidade Sustentável, Alimentação Sustentável e Preservação da Biodiversidade. O trabalho realizado em cada uma destas frentes vai igualmente contribuir para dois importantes eixos transversais: a ação climática e as ambições de poluição zero do Pacto Ecológico Europeu.

Uma das tarefas realizadas, cujo resultado já está disponível na página do projeto, foi a construção de uma base de dados com 2000 iniciativas europeias que se dedicam à implementação do Pacto Ecológico Europeu. Estas iniciativas são dinamizadas por uma variedade de atores: comunidades locais, cooperativas ou grupos de cidadãos; organizações sem fins lucrativos, como escolas, fundações ou movimentos sociais; organizações com fins lucrativos, como as empresas sociais com uma missão socioecológica; empresas; e autoridades governamentais nacionais, regionais ou locais.

No consórcio do projeto composto por 22 parceiros, cada equipa ficou responsável por identificar iniciativas no seu país. A equipa portuguesa identificou e registou na base de dados 87 entradas. Já as do Reino Unido e Alemanha conseguiram identificar nos seus países 336 e 240 iniciativas, respetivamente, sendo estes os que concentram maior número de iniciativas na base de dados. As 87 entradas portuguesas não esgotam o universo de actividades que estão a ser dinamizadas nas áreas do PEE. Haverá muitas mais, mas não foram identificadas ou não cumpriam os critérios de classificação para entrar na base de dados, tal como pré-definidos pelo consórcio. Por exemplo, iniciativas muito recentes que estão apenas no ‘papel’ não foram registadas.

A base de dados, para além de referir os atores que as dinamizam, classifica as iniciativas de acordo com os tópicos do PEE. Assim, na categoria “Energia Limpa” encontramos um total de 378 iniciativas na Europa, sendo 10 identificadas em Portugal (por exemplo, as comunidades de energia). A categoria “economia circular” é composta por 197 iniciativas europeias, sendo 14 portuguesas; na categoria referente a renovações eficazes de edifícios de forma a serem usados materiais eficientes em termos energéticos foram contabilizadas 504 iniciativas na Europa, sendo 10 em Portugal; a categoria de “mobilidade sustentável” somou 361 iniciativas, em que 19 são portuguesas; tanto na categoria de “alimentação sustentável” como na de “preservação da biodiversidade”, a base de dados tem registadas 460 iniciativas, sendo 32 iniciativas portuguesas na área da alimentação e 42 na área da biodiversidade. Na categoria de “ação climática” foram registadas 334 iniciativas, sendo 31 localizadas em Portugal. Um bom exemplo do tipo de iniciativa classificada nesta categoria é o projeto europeu “Climate action by European citizens delivers for development” (Ativa ClimACT, apresentado também como SparkClimateACT) que, através de um dos seus parceiros – a Organização não Governamental de Ambiente Zero –, tem vindo a implementar uma série de ações de comunicação, formação e mobilização pela luta climática no nosso país. Finalmente, na categoria de “poluição zero”, a base de dados regista 455 iniciativas na Europa, 29 das quais estão em Portugal. Há ainda mais duas categorias que se prendem com iniciativas que financiam a transição sustentável (que conta com 209 na Europa e 21 em Portugal) e que tentam implementar uma transição justa (na Europa temos 874 iniciativas e 35 em Portugal).

Assim, numa análise preliminar à base de dados do projeto Shared Green Deal vemos que é na categoria da transição justa que identificámos mais iniciativas, tanto na Europa, como em Portugal. Isto é, nas várias temáticas, seja na mobilidade, na alimentação, nas energias limpas, entre outras, existe uma clara preocupação das organizações que as dinamizam em promover uma transição que salvaguarde a justiça ambiental, a inclusão social e, no fundo, implementando a dimensão social da sustentabilidade. Um dos maiores problemas da mudança climática é precisamente o facto de atingir os grupos e países mais vulneráveis. Estes, muitas vezes, nem contribuem diretamente para aumentar as emissões de gases com efeito de estufa, mas acabam por ser os que mais são atingidos pelos efeitos das alterações climáticas e das poluições várias. A diminuição das desigualdades sociais é uma das respostas mais relevantes para a mudança climática, sendo a justiça ambiental fundamental para promover uma transição sustentável justa. A base de dados é uma ferramenta muito útil para mapear iniciativas na Europa alinhadas com os objetivos do PEE, e de fácil e intuitiva consulta.

Outra das tarefas que iniciámos foi em torno das experiências sociais. O objetivo é acompanhar 24 ‘experiências’ no terreno, localizadas em toda a Europa e realizadas por uma variedade de atores e organizações. Estas iniciativas estão a ser implementadas ao longo de 12 meses (com início em maio de 2023, vão terminar em junho de 2024), e têm o acompanhamento de uma equipa do consórcio constituída por investigadores e profissionais, estes últimos, fora da academia. Uma das condições obrigatórias é que a atividade realizada nestas 24 experiências deve estar alinhada com as prioridades estratégicas das políticas europeias (nomeadamente o PEE), bem como as políticas nacionais e locais favoráveis à implementação deste Pacto. Após uma chamada de projetos disseminada por toda a Europa no primeiro trimestre de 2023, foram submetidas 349 candidaturas e quase 1000 expressões de interesse. Foi um enorme sucesso que surpreendeu o próprio consórcio do projeto. Numa escolha criteriosa foram selecionados 24 projetos, cada um com um orçamento de 20 mil euros para implementar os seus objetivos no terreno. Destes 24, há dois em Portugal, os quais estão a ser acompanhados pelas equipas do consórcio: na categoria da “mobilidade sustentável” foi selecionado um projeto dinamizado pela Câmara Municipal de Braga e na da “economia circular” encontramos um da Câmara Municipal de Santo Tirso.

Figura 1. Elementos da organização não governamental na Eslováquia, Klíma ťa potrebuje. Foto: Lucia Estočinová.

Na categoria da “alimentação sustentável”, Mónica Truninger e João Mourato (investigadores do SHIFT) estão a acompanhar mais de perto a iniciativa na Eslováquia liderada pela organização não-governamental Klíma ťa potrebuje, na cidade de Košice. Esta ‘experiência social’ visa implementar um sistema de compras públicas alimentares mais ecológicas, de forma a promover refeições escolares mais saudáveis e sustentáveis, através da re-localização do sistema alimentar da região (isto é, desenvolvendo as cadeias curtas de abastecimento). A equipa eslovaca já realizou três assembleias (seguindo a metodologia das arenas de transição) com agentes do sector alimentar de Košice, incluindo jovens agricultores, professores, técnicos municipais e organizações não governamentais, nutricionistas, empresas de restauração coletiva, para estabelecer uma visão e uma agenda de transição para refeições saudáveis, sustentáveis e inclusivas. Esta experiência inovadora naquela cidade terminará em junho deste ano. Fiquem atentos pois iremos dar conta dos resultados dentro de meses.


Mónica Truninger, Socióloga e coordenadora do SHIFT: Grupo de Investigação Ambiente, Território e Sociedade do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Coordenadora da equipa do projeto SharedGreenDeal no ICS-ULisboa.
Email: monica.truninger@ics.ulisboa.pt

Comentar / Leave a Reply