COP 27 – premência, apreensão e esperança

Por: João Guerra

Talvez mais do que qualquer outra convenção, tratado, ou programa de governança global, desde que foi proposta e aprovada na Conferência da Terra (Rio 92), a UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas) conseguiu uma adesão quase-universal, envolvendo atualmente 198 signatários. A razão deste aparente sucesso resulta da apreensão que as alterações climáticas têm vindo a suscitar de norte a sul, bem como a premência de minorar os seus impactos a partir da origem. Ou seja, estabilizar as concentrações de gases com efeito de estufa na atmosfera, a um nível que evite consequências indesejáveis para o sistema climático. No entanto, como se pode deduzir dos resultados alcançados ao longo destas três décadas, mereceram menos concordância as formas e os meios para alcançar tal objetivo. Neste panorama, desde 1995, ano em que decorreu a primeira, em Berlim, têm vindo a ser promovidas as anuais “Conferências das Partes (COP)” que funcionam como espaços de discussão e elaboração de propostas práticas para implementar a convenção.

Figura 1: Aprovação do Acordo de Paris na COP 21 | USA State Department

O Acordo de Paris (um dos principais marcos da Convenção) resultou deste processo, na COP21, realizada na capital francesa, em 2015. O acordo propõe limitar o aumento da temperatura média global entre 1,5oC e 2,0oC, relativamente aos níveis de emissões pré-industriais. Ambição posteriormente reforçada em Glasgow, na COP 26, onde se procurou assegurar a não ultrapassagem do limite inferior. Mas, se tivermos em conta as tendências de crescimento de emissões, as persistentes dificuldades de financiamento e a necessidade de mudança aconselhada pela ciência, o sucesso alcançado é diminuto. O planeta continua a aproximar-se rapidamente de perigos dificilmente ponderáveis ou, como referia no arranque da COP27 o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, “estamos numa estrada para o inferno climático, mantendo o pé no acelerador”.

Figura 2: “Children at COP 27” | Ngozi osadebe

Em consequência, o espírito que dominava o ambiente nas vésperas da COP27 estava, como transparece nas palavras de Guterres, marcado por um misto de esperança e urgência, mas também apreensão. Para complementar o quadro, às dificuldades e fracassos anteriores, juntou-se a controvérsia em redor do país anfitrião: o Egito. Desde cedo, a escolha levantou sérias reservas a ativistas dos direitos humanos e dos direitos ambientais. Um pouco por todo o mundo reagiram com desconfiança, sublinhando a desacreditada qualidade da democracia egípcia e a repressão política associada (e.g., pouco antes da Conferência da COP de Sharm el-Sheikh, registavam-se no país, pelo menos, 60.000 prisioneiros políticos). Em suma, a escolha não augurava nada de muito positivo para assegurar algumas condições vulgarmente assumidas como fulcrais para a promoção da sustentabilidade: liberdade de expressão, livre acesso à informação e direito a manifestações de protesto. Não admira, por isso, que as demonstrações de repúdio tenham acontecido, sobretudo, fora de portas.

Figura 3: Protestos em Londres antes da realização da COP27 | Alisdare Hickson

Mas talvez mais importante sejam os resultados concretos da Conferência de Sharm el-Sheikh. Desde logo, as boas notícias: o anúncio da criação, no prazo de um ano, de um fundo para “perdas e danos”. Fundo que há muito tem vindo a ser reclamado pelos países do Sul Global e que permitirá (se vier a garantir efeitos práticos) que comunidades mais ameaçadas, mais pobres e, por isso, menos preparadas para fazer face às alterações climáticas possam enfrentar e recuperar das suas consequências. Resta saber como tudo decorrerá: quem financiará o plano, de que montantes estamos a falar, como se processará a sua distribuição e quem será elegível para receber estes fundos? Atendendo ao histórico de falhas no chamado Desenvolvimento Sustentável, aos adiamentos sucessivos na implementação de decisões na UNFCCC e à evolução de emissões de GEE, apesar do Acordo de Paris, a resposta a estas perguntas não é, nesta altura, tão clara quanto o desejável. Afinal, nem sequer existe um prazo para cumprir o que já estava decidido e ainda não foi executado nas COP anteriores.

Figura 4: Cop 27 Climate Justice Demonstration | Tim Dennell

Acresce que, para manter os níveis de aquecimento global abaixo dos 1,5oC em relação aos níveis pré-industriais (como já acordado em Glasgow, na COP 26), seria necessária uma redução de 43% nas emissões de CO2 até 2030. Contudo, mantendo-se os atuais compromissos nacionais (NDC) que, em muitos casos, nem sequer estão a ser cumpridos, o corte de emissões não ultrapassará os 0,3%. O que dá ideia do desafio gigante que o mundo tem pela frente, contrastante com a pequenez e a imprecisão das medidas propostas para o enfrentar. É certo que, pela primeira vez, se fala de um fundo de compensação de perdas e danos para os países mais geográfica e economicamente vulneráveis; porém, teremos ainda de aguardar pela nomeação de um comité de transição, cuja tarefa será preparar um projeto de implementação a apresentar no Dubai (COP28), onde, eventualmente, virá a ser aprovado.

Ora, se poucos põem em causa a necessidade de mudança, sob pena de um futuro incerto para a humanidade, muitos procuram aliviar o peso da transição e passar o fardo para o seu concorrente mais próximo, culpando-se mutuamente pela inação. Se na China (atualmente o maior poluidor) a falta de democracia faz com que não se dê conta da discussão, nos E.U.A. (atualmente em segundo lugar, mas com um histórico bem mais pesado) Biden enfrentará não apenas a pressão dos ativistas para declarar a emergência climática, mas uma oposição feroz do campo negacionista que se fortaleceu com Trump. Veremos quem ganha o braço de ferro, mas a incerteza parece predominar em todas as frentes: guerra e perigo de guerra nuclear, crise de abastecimento alimentar e energia, delapidação de recursos e da biodiversidade, erosão costeira e aquecimento global. Numa palavra, como referia o presidente eleito do Brasil, Lula da Silva, em Sharm el-Sheikh, “precisamos de mais liderança para reverter esta escalada e os acordos já finalizados [incluindo aqui o fundo de perdas e dados agora acordado] têm de sair do papel“.


João Guerra é sociólogo, investigador auxiliar no ICS-ULisboa e professor no Programa de Doutoramento em Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável e no Mestrado Design para a Sustentabilidade. No ISCTE-IUL é professor convidado de Sociologia do Ambiente. Desde 2019, integra a equipa de coordenação da Secção Ambiente e Sociedade da Associação Portuguesa de Sociologia.

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