Metápolis: “nem tudo que é sólido se desmancha no ar”

Por: Mariano Macedo

Essas notas visam problematizar o conceito de Metápolis de forma a referenciar a discussão sobre o futuro das cidades. Coloco 4 questões para reflexão.

A primeira questão é relativa ao conceito de metápolis e porque esse conceito emerge como relevante no momento atual de nossa história.  À semelhança de metápolis, outros conceitos vêm se afirmando: cidade informacional, cidade pós-moderna, cidade pós-fordista e pós-metrópolis.      

Esses conceitos procuram identificar as tendências que estão marcando a transição da metrópole tradicional para a metápolis e visam apreender as suas características socioespaciais e conformação morfológica.

Historicamente, as cidades e o urbano se transformam na medida em que grandes mudanças ocorrem nos paradigmas técnico-econômicos e nos padrões de desenvolvimento.

Nesse contexto, metápolis se refere à aglomeração urbana emergente no mundo de hoje, na era atual, denominada de Era das Tecnologias de Informação e Comunicação – TIC, Pós-fordismo, Acumulação Flexível ou Capitalismo de Conhecimento. 

De forma muito geral, pode-se afirmar que metápolis é a “cidade das TICs”.

Assim, recorre-se ao conceito de metápolis para referir um tipo de espacialidade resultante da intensa difusão das TICs na sociedade e nas atividades econômicas, definindo uma dimensão multifacetada da cidade contemporânea e implicando um urbano cada vez mais diversificado, flexível, mutável, produzido ou gerado além do físico ou meramente geográfico, como um quadro “de redes” ou “de redes de redes”, dinâmico, flutuante e inacabado. Redes no mundo da produção, da logística, do comércio, dos serviços, da relação entre as pessoas, etc. e que, de certa forma, requalificam o urbano e ampliam a força gerativa das cidades (SOJA, 2013).

Dimensão que, como Ascher (2001) [1] refere, implica, inclusive, na redefinição das relações entre interesses individuais, coletivos e gerais ou na existência de vínculos sociais ou de “cidadania mais frágeis, menos estáveis, porém muito mais numerosos, variados e conectados nas múltiplas redes da chamada sociedade hipertexto.”

Segundo Massara (2005), [2]  o “atributo meta, aplicado ao caso das cidades, está atrelado a uma condição existencial crítica do espaço urbano na qual ele não se revela meramente através de seus edifícios, quadras ou vias de circulação, mas na sua capacidade de articulação em um urbano ampliado pelas TICs.” Um urbano muito mais complexo, além de nossa compreensão trivial de uma cidade enquanto espaço físico coletivo (MASS, 1999).

É possível levantar a hipótese de que, no contexto do padrão de desenvolvimento atual, o encontro “explosivo-implosivo” ou “criativo-destrutivo” das TICs com as cidades torna o urbano mais intensivo e complexo, relativamente  ao observado no padrão fordista.

Batty, em 2008, apresentou um artigo cujo título é sugestivo: “Cidades como sistemas complexos: escalas, interações, redes, dinâmica e morfologias urbanas” (Cities as Complex Systems: scaling, interactions, networks, dynamics and urban morphologies). Na sequência, ele foi atrás da teoria da complexidade para entender as cidades.Portanto, uma concepção bem distante da racionalidade taylorista e da linearidade dos preceitos da “Carta de Atenas” (Congresso Internacional de Arquitetura Moderna – CIAM, 1933), uma das principais referências de planejamento da adaptação das “cidades antigas” à sociedade industrial.

A segunda questão se refere à especificação do conceito de metápolis, visando torná-lo uma referência para entendermos a realidade atual de regiões metropolitanas de sociedades marcadas por uma elevada heterogeneidade socioeconômica,  uma herança de um passado mal resolvido, dada a necessidade de avançarmos em direção à “cidade do futuro”, à metápolis. Como estão emergindo e se estruturando as metápolis em sociedades muito heterogêneas, a exemplo da brasileira?

Favela da Rocinha na cidade do Rio de Janeiro (Wikimedia, appud Baratto, 2014).

Nessas sociedades, as metápolis tendem a ser fortemente restringidas e relativamente mais complexas em decorrência da enorme heterogeneidade socioespacial existente, a exemplo da observada na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

Além disso, merece ser destacado que a difusão de TICs na cidade, ou no urbano, não se dá sem conflitos. Particularmente em sociedades estruturalmente heterogêneas, como a brasileira, marcadas por processos de industrialização tardia, a persistência do “arcaico” (passado) e a emergência fragmentada e pouco endógena do “moderno” (futuro) resultam em dinâmicas econômicas, sociais, institucionais, políticas, espaciais e urbanas, extremamente mais complexas e conflituosas do que aquelas que podem ser observadas nos países capitalistas mais avançados.

Superpondo-se aos velhos conflitos não resolvidos, uma multiplicidade de conflitos de nova natureza está surgindo no decorrer do processo de transformação das metrópoles em metápolis, e com maior gravidade no contexto das grandes aglomerações urbanas, como as brasileiras. Passamos a conviver com velhos e novos conflitos, simultaneamente, e que, muitas vezes, se entrelaçam de forma desafiadora:      “Nem tudo que é sólido se desmancha no ar”.

Terceira questão: urge compreendermos as especificidades e a complexidade de nossas metápolis vis a vis as formas mais puras desse conceito, com vista à formulação de estratégias de desenvolvimento urbano de regiões metropolitanas em sociedades muito heterogêneas, como a brasileira. Temos que desenvolver um novo farol para essas estratégias e, inclusive, novos instrumentos de políticas urbanas, em particular aqueles voltados para a garantia ao direito à cidade em um contexto pós-fordista, a exemplo da inclusão e letramento digital.

Por fim, a quarta e última questão. Na medida em que a dinâmica da cidade e do urbano, em suas múltiplas dimensões, passa ser condicionada por um intenso processo de difusão de tecnologias emergentes vinculadas ao paradigma técnico-econômico das TICs, as políticas de inovação vêm ganhando relevância na agenda do planejamento e das políticas urbanas. Em particular, as políticas de inovação pelo lado da demanda, cujos principais instrumentos são os seguintes: compras governamentais de produtos e serviços inovadores; encomendas tecnológicas; previsão de investimentos em pesquisa, desenvolvimento  invovação em contratos de concessão de serviços públicos; e definição de novos requisitos para produtos e serviços por meio de normalização e regulação (MACEDO, 2017).

No entanto, se as políticas urbanas devem passar a contemplar políticas de inovação, devem também levar em conta a necessidade de mitigar o consequente acirramento de conflitos entre o “arcaico” e o “moderno” ou entre o “passado” e o “futuro” que necessariamente vão estar presentes.

Nota: O subtítulo dessas notas é também o título de: ARANTES, Paulo E. Nem tudo que é sólido desmancha no ar. Rev. Estudos Avançados, Instituto de Estudos Avançados da USP (IEA-USP), v. 12, n. 34,  1998; e MARTINHO, Jorge M. Nem Tudo Que é Sólido Desmancha no Ar – Ensaios de Peso. Editora Vozes, São Paulo, 2000.


Mariano Macedo é doutor em economia pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (SP). Docente do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano – PPU da Universidade Federal do Paraná. Dedica-se à área de Economia Regional e Urbana e aos seguintes temas: padrões de desenvolvimento; CT&I, espaços e territórios; e políticas de inovação e planejamento urbano. mariano.macedo@ufpr.br.

Este post insere-se na nova série temática do Blogue SHIFT ‘O Futuro das Cidades‘.

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