Por Ana Horta
A perceção pública dos desafios ambientais tem ganho uma dimensão enorme nos últimos tempos. Isto deve-se em grande medida à inclusão das alterações climáticas nas agendas mediáticas, com as suas repercussões em eventos climáticos extremos, assim como as suas vastas implicações na produção e consumo de energia e de alimentos ou ainda na perda de biodiversidade. Além disso, recentemente outros problemas ambientais têm também captado muita atenção a nível internacional, como é o caso da utilização de plásticos. Neste contexto, cidadãos, decisores políticos, agentes dos media, cientistas e outros têm-se movimentado de formas por vezes marcantes e inéditas, como aquando do reconhecimento do estado de emergência climática e ambiental pela ONU, pelo Parlamento e pela Comissão Europeia ou pelo Papa, pelo anúncio de políticas profundamente ambiciosas (como é o caso da descarbonização da economia) ou ainda do movimento internacional de estudantes em greve à escola pelo clima.
Estes tópicos têm exigido cada vez mais atenção por parte da comunidade científica. O contributo da sociologia a este respeito é fundamental, na medida em que permite identificar dinâmicas, resistências e lacunas que podem iluminar (ou toldar) os processos de transformação social no sentido da sustentabilidade. Os modos como os cidadãos se adaptam (ou não) às mudanças necessariamente condicionam a adoção de novas tecnologias e a emergência de novas práticas.
A Secção Ambiente e Sociedade da Associação Portuguesa de Sociologia, em estreita colaboração com o Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-ULisboa), procurou dar o seu contributo ao estimular o debate e encorajar a investigação sobre estas questões, procurando igualmente promover colaborações internacionais e interdisciplinares, através da organização do International Seminar on Environment and Society: Current Challenges and Pathways to Change.

Realizado de 2 a 3 de março de 2020 no ICS-ULisboa, o seminário mostrou que, um pouco por todo o mundo, os sociólogos estão atentos e querem contribuir para enfrentar os desafios ambientais. A elevada participação nacional e internacional num encontro de uma pequena secção de um país periférico que nunca tinha organizado qualquer evento científico é um sinal muito positivo de que os sociólogos querem estar à altura da sua responsabilidade. De facto, o seminário reuniu mais de 180 participantes – alguns dos quais vindos de países como Alemanha, Brasil, Canadá, Croácia, Dinamarca, Eslováquia, Espanha, Finlândia, França, Hungria, Índia, Letónia, Marrocos, Noruega, Nova Zelândia, Polónia, Reino Unido, Roménia, Rússia, Suécia, Suíça ou Turquia – que apresentaram e discutiram resultados de investigação e perspetivas teóricas e metodológicas sobre como analisar os atuais desafios.
As comunicações propostas abarcaram temas diversos – entre os quais, respostas às alterações climáticas, transição energética, relações entre peritos, leigos e políticos, justiça ambiental, sustentabilidade urbana, risco, inovação social, mudança social, cultura e consciência ambiental, relações entre humanos e animais, governança de recursos, planeamento e políticas públicas, regulação e direito – que revelam a abrangência e a complexidade destes problemas, assim como as suas interligações com as mais diversas áreas da vida em sociedade.

O seminário reuniu ainda quatro prestigiados oradores convidados na área das relações entre ambiente e sociedade: Alan Irwin, Matthias Gross, Noel Castree e Luísa Schmidt. Os seus contributos, baseados no trabalho que têm vindo a desenvolver nas últimas décadas, foram muito inspiradores, tendo sido seguidos de debates em que a audiência pôde comentar e colocar questões sobre as apresentações.
Alan Irwin é atualmente professor na Copenhagen Business School, na Dinamarca. As suas principais áreas de trabalho são os estudos da ciência e tecnologia, política e governança científica, sociologia do ambiente, relações entre cientistas e públicos e políticas de inovação. Na sua palestra apresentou os principais pontos que considera que devem fazer parte de uma nova agenda de investigação sobre risco, ciência e comunicação ambiental, tendo em conta os importantes desafios que se colocam atualmente. Esta reflexão teve como ponto de partida o relatório “Re-framing environmental communication: engagement, understanding and action”, em que presidiu a um importante conjunto de especialistas a pedido da Swedish Foundation for Strategic Environmental Research (Mistra).

O segundo orador convidado foi Matthias Gross, diretor do departamento de sociologia urbana e do ambiente do Helmholtz Centre for Environmental Research – UFZ em Leipzig e professor na Universidade de Jena, na Alemanha. Tem publicado sobre as relações entre ambiente e sociedade, onde se incluem a invenção da natureza, o não-saber e a ignorância na tomada de decisões sobre questões ambientais, as energias renováveis e os seus impactos na sociedade e a participação pública em processos de restauração ecológica, tendo sido recentemente galardoado com o prémio Frederick H. Buttel da Associação Internacional de Sociologia. Na sua palestra apresentou o conhecimento da ignorância como uma oportunidade, especialmente em circunstâncias em que é necessário tomar decisões sem ter conhecimento suficiente (e sem perder credibilidade).

Noel Castree foi o terceiro orador convidado. Professor de geografia humana na Universidade de Manchester, Reino Unido, tem publicado sobre as relações entre natureza e sociedade e a economia política da mudança ambiental, procurando compreender as implicações ecológicas do modo de vida capitalista. Na sua palestra apresentou uma ambiciosa síntese dos enormes desafios que se colocam às avaliações ambientais globais e defendeu a necessidade de mudanças nestas avaliações que deem mais atenção às dimensões humanas.

Luísa Schmidt foi a última oradora convidada, encerrando o programa científico do seminário. Investigadora principal do ICS-ULisboa, fez parte do conjunto de investigadores que introduziu a sociologia do ambiente em Portugal nos anos 90. Tem publicado sobre uma ampla variedade de temas, destacando-se as perceções sociais sobre ambiente e sustentabilidade e a adaptação às alterações climáticas. Na sua palestra apresentou uma reflexão sobre alterações climáticas e outros desafios ambientais que se colocam atualmente à sociedade e à sociologia, tendo-se centrado nos problemas que afetam as áreas costeiras.

O seminário incluiu ainda uma visita guiada na manhã seguinte. Esta visita foi organizada pela Câmara Municipal de Lisboa e teve como guia o arquiteto Duarte Mata, tendo dado a conhecer aos participantes algumas das principais transformações que têm ocorrido na cidade e que lhe valeram o galardão de Capital Verde Europeia em 2020. Foi o encerramento perfeito para um encontro muito interessante e inspirador.

A organização de um encontro destes implica um longo trabalho de vários meses, que neste caso escapou por muito pouco às restrições à realização de eventos impostas de modo a prevenir a transmissão do coronavírus COVID-19. No entanto, a qualidade, variedade, imaginação e perspicácia das comunicações apresentadas, assim como a mais-valia de podermos contactar pessoalmente e discutir face-a-face com outros participantes (o que não é possível através de videoconferência), são muito encorajadoras.
Ao longo do seminário destacaram-se com grande clareza as abordagens críticas, assim como perspetivas que assumem a complexidade dos problemas ambientais e a necessidade de agendas de investigação que questionem os paradigmas tradicionais e envolvam aspetos que tendem a ser negligenciados. Espera-se, assim, que o seminário tenha contribuído para enriquecer o leque de possibilidades dos participantes no seu trabalho face à emergência ambiental.
Ana Horta é investigadora auxiliar do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e membro da equipa de coordenação da Secção Ambiente e Sociedade da Associação Portuguesa de Sociologia.