O aumento da prescrição e do consumo de psicofármacos em Portugal

Por Nádia Salgado Pereira

Segundo um relatório de 2011 da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), 10 a 20% das pessoas que procuram os cuidados de saúde primários em Portugal revelam queixas psicológicas. Dados recolhidos entre 2008 e 2009 apontam para uma prevalência elevada de problemas psicológicos na população portuguesa, situada em 23% e acima da média da União Europeia. No mesmo sentido, de acordo com um relatório da Comissão Europeia de 2010, Portugal está entre os países da União Europeia onde mais aumentou a procura de ajuda psicológica entre Dezembro de 2005 e Março de 2010. Estes dados sugerem que os problemas psicológicos terão crescido consideravelmente em Portugal, em particular ao longo da crise económica, criando uma maior necessidade de intervenção na saúde mental.

Fatores como o desemprego, a precariedade laboral e os cortes de rendimentos, potenciados pelas crises económicas, podem conduzir a situações de carência económica e de pobreza. Estas encontram-se associadas a um maior risco de problemas psicológicos, nomeadamente depressões e perturbações da ansiedade, podendo conduzir ao suicídio. De acordo com os resultados de um estudo recente, esta relação entre as condições de privação material e o risco de suicídio foi observada durante o período de crise em Portugal.

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Impacto da crise económica na saúde mental. Fonte: iStock.com

Nos últimos anos observou-se em Portugal um aumento da prescrição e do consumo de psicofármacos. Segundo o Plano Nacional de Saúde 2012 – 2016 da Direção Geral de Saúde (DGS), o consumo de ansiolíticos, hipnóticos, sedativos e antidepressivos registou um aumento no Serviço Nacional de Saúde (SNS) superior a 40% entre 2002 e 2009. No mesmo sentido, e de acordo com dados do Infarmed, entre 2000 e 2012 registou-se um aumento do consumo de antidepressivos e de antipsicóticos. Relativamente a estes dados, Portugal apresentou a maior taxa de consumo de ansiolíticos, sedativos e hipnóticos em comparação com países como a Itália, a Dinamarca e a Noruega. Segundo um relatório da Comissão Europeia, Portugal revelou a maior taxa de consumo de antidepressivos entre Dezembro de 2005 e Janeiro de 2010, correspondendo ao dobro da média da União Europeia. Estes dados ilustram bem o aumento substancial de problemas psicológicos na população portuguesa.

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Consumo de antidepressivos na União Europeia. Fonte: Special Eurobarometer 345

No entanto, a capacidade de encaminhamento de utentes para os serviços de saúde mental no SNS parece ficar aquém das reais necessidades, devido ao reduzido número de profissionais atualmente existente. Segundo declarações do bastonário da OPP, Francisco Miranda Rodrigues, à TSF, o SNS carece de pelo menos 500 psicólogos para conseguir dar resposta ao elevado número de casos, que nem sempre necessitam de tratamento psicofarmacológico ou de internamento. A falta de profissionais de saúde mental pode, assim, ajudar a explicar o aumento da prescrição de psicofármacos, dada a dificuldade por parte dos médicos em encaminharem utentes para as especialidades. Confrontados com as dificuldades no encaminhamento, os médicos encontram como alternativa a prescrição de psicofármacos. Sem o necessário acompanhamento psicológico, este tipo de intervenção coloca em causa a adequação da resposta do SNS face ao agravamento dos problemas de saúde mental.

Hoje em dia é questionável a opção por tratamentos exclusivamente psicofarmacológicos. A curto prazo, tanto a intervenção psicofarmacológica como a psicológica demonstram eficácia. No entanto, os efeitos positivos das terapias psicológicas são prolongados e verifica-se um menor número de posteriores ocorrências. Por seu lado, os benefícios dos psicofármacos apenas se mantêm enquanto continuam a ser consumidos, podendo, assim, conduzir a problemas de dependência crónica. Além disso, a literatura descreve um conjunto de efeitos adversos associados ao consumo de psicofármacos, nomeadamente a tendência para a somatização e o desenvolvimento de traços fóbico-obsessivos.

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Bem-estar associado aos efeitos dos psicofármacos. Fonte: iStock.com

Outro aspeto particularmente relevante diz respeito ao potencial de reintegração socioprofissional dos tratamentos psicológicos que têm sido associados à redução do absentismo laboral, contrariamente ao que acontece nos tratamentos psicofarmacológicos. Deste modo, a opção por tratamentos psicológicos pode contribuir para a diminuição do número de atestados por doença e por invalidez decorrentes de perturbações psicológicas.

Por fim, está em causa um importante dilema ético quando ocorrem situações de médicos sem especialização em Psiquiatria a realizarem tratamentos psicofarmacológicos. A facilidade na prescrição de psicofármacos em Portugal por parte dos médicos de família pode ajudar a entender que, face ao aumento de problemas psicológicos na população, se tenha verificado um aumento no consumo destes medicamentos nos últimos anos.

Os resultados de um estudo exploratório realizado no Centro de Saúde de São João indicam que a consulta de Psicologia Clínica contribuiu de forma significativa para a diminuição do volume de trabalho dos médicos de família e o devido encaminhamento de casos. Neste sentido, a contratação de mais profissionais permitiria melhorar o acesso e a qualidade dos serviços de saúde mental. Além disso, seria necessário que o SNS regulamentasse a prescrição de psicofármacos, nomeadamente criando entraves à prescrição por parte de médicos sem especialização em Psiquiatria, de forma a evitar em muitos casos o consumo excessivo e pouco justificado. É, assim, evidente a necessidade de um maior investimento na saúde mental por parte do SNS português.


Nádia Salgado Pereira é investigadora de pós-doutoramento no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa

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