Por Ana Sofia Ribeiro
Uma estrada sinuosa coberta de neve é o único caminho que leva a Amatrice, “o mais bonito município de Itália”, devastado a 24 de agosto por um sismo de magnitude 6, que assolou as áreas marginais de três províncias: Umbria, Lazio e Marche. Desde então, cerca de 4.000 pessoas receberam assistência humanitária, tendo várias sido deslocadas e outras resgatadas de edifícios em ruínas. 299 pessoas morreram, entre as quais também crianças.

No âmbito de uma reunião internacional, a equipa internacional do projeto CUIDAR-Culturas de Resiliência à Catástrofe entre Crianças e Jovens visitou o local para tomar conhecimento da resposta de emergência fornecida pela Save the Children-Itália às crianças sobreviventes à catástrofe, no âmbito de um protocolo assinado em 2016, meses antes do terramoto. O projeto CUIDAR pretende fortalecer a participação das crianças nas políticas públicas de gestão de catástrofes, contando com equipas de 5 países europeus: Reino Unido, Itália, Grécia, Espanha e Portugal.
Amatrice é um município composto por 64 aldeias dispersas nas montanhas, cuja principal atividade é a agricultura. Com o terramoto, as vias que ligam as aldeias foram interrompidas, pelo que o isolamento dos jovens é ainda maior. 80% do centro histórico de Amatrice foi destruído. Apenas camiões do exército se atrevem a ir até lá. Famílias inteiras morreram, não existem supermercados e outras infraestruturas sociais, o que torna a população profundamente dependente de apoio externo.
Logo após o terramoto, o serviço de Proteção Civil do Lazio abriu um acampamento de suporte básico, com uma tenda de refeições e dormitórios. Desde então tem estado a construir casas para realojar aqueles que decidiram permanecer na vila. No acampamento existiu desde início um espaço dedicado às crianças, onde estas puderam expressar as suas emoções e receber apoio na recuperação do trauma.
Na sequência da monitorização deste espaço, a Save the Children-Itália construiu, em cooperação com o município de Amatrice, a Região do Lazio e o Ministério da Educação, um centro comunitário para jovens e crianças, que tem assumido um papel central na agregação da comunidade e na recuperação do trauma.
Inaugurado a 31 de dezembro de 2016, o centro é, além da igreja, a única estrutura funcional no centro da vila onde os moradores e as crianças se podem encontrar em segurança e com algum conforto. Neste centro, cerca de 80 crianças prosseguem os seus estudos, bem como outras atividades da sua preferência, como música e leitura. Dado que não existem creches na zona, o centro também dispõe de salas para bebés dos 0 aos 3 anos.
Para o planeamento e implementação do centro, foram consultados pais, professores, instituições locais e, claro, as crianças e os jovens. Cerca de 132 crianças realizaram desenhos e jogos através dos quais expressaram sonhos e desejos. Muitas disseram que gostavam que a vida voltasse a ser o que era, “dando de comer ao burro com os seus avós” e “tocando música”. Outras declaram ser importante terem um espaço onde ficarem juntas “para não ficarem deprimidas em casa”. O centro constitui esse espaço de encontro, onde além das salas de aula existe ainda uma sala com instrumentos e internet.
A participação das comunidades e a sua corresponsabilização são fundamentais para fomentar a resiliência na recuperação da catástrofe. Na nossa visita ao centro, falámos com equipas da proteção civil, que sublinharam a dificuldade de organizar uma resposta a uma catástrofe que afetou 3 regiões administrativas diferentes, com regras de organização específicas.
Particularmente marcante foi também o testemunho de uma jovem mãe que tem sido muito ativa na auscultação das famílias e das suas necessidades. Na sua opinião, além de uma melhoria na construção das habitações, é indispensável melhor informação sobre formas de prevenção e resposta na ocorrência destes eventos. Salientou ainda que a recuperação do trauma é um trabalho moroso e lento, destruído a cada nova réplica. Para quem não quer sair, trata-se de aprender a viver com a angústia de que de um momento para o outro tudo pode ser perdido.
Em Janeiro 2017, um novo sismo, menos intenso, fez-se sentir, reacendendo o medo nas crianças. Imediatamente, recomeçou também o trabalho de regulação do trauma, assegurando o seu bem-estar emocional. Delas depende o futuro da comunidade. Em Amatrice a terra ainda treme, mas a vida tem de continuar.
Ana Sofia Ribeiro é investigadora na área ddo ensino superior, educação comparada e políticas públicas no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
A autora gostaria de agradecer a Anna Grisi as informações prestadas e a Israel Rodriguez pelas fotografias de campo.