Envolvimento de cidadãos no armazenamento geológico de carbono offshore: uma exposição/evento na Figueira da Foz

Por: Ana Delicado, Jussara Rowland e Joana Sá Couto

É crescentemente reconhecida a necessidade de envolver as comunidades na implementação de tecnologias de mitigação das alterações climáticas. Das energias renováveis à mobilidade elétrica, do hidrogénio ao armazenamento geológico de carbono, é crucial auscultar os cidadãos, para entender as suas preocupações e expectativas, identificar as condições de aceitação e adoção, desenvolver salvaguardas e garantias que permitam uma descarbonização justa.

No âmbito do projeto PilotSTRATEGY CO2 Geological Pilots in Strategic Territories, financiado pela União Europeia (programa Horizonte Europa), que se foca nas potencialidades da captura e armazenamento de CO2 em França, Portugal, Espanha, Grécia e Polónia, temos desenvolvido várias atividades de envolvimento dos cidadãos e stakeholders, desde reuniões regulares da Comissão Regional de Stakeholders a um workshop com cidadãos em Fevereiro de 2024. Estas atividades têm ocorrido na zona da Figueira da Foz, onde etapas prévias do projeto identificaram as melhores condições para o armazenamento geológico de carbono no subsolo marinho.

Figura 1 Sinalética a promover o evento numa área central da Figueira da Foz, Setembro de 2025. Fonte: as autoras.

Neste sentido, no dia 13 de setembro de 2025, organizámos uma exposição/evento no Meeting Point da Figueira da Foz (debaixo da Esplanada Silva Guimarães, junto à praia) (Figura 1), onde procurámos disponibilizar informação sobre o projeto e recolher a opinião dos cidadãos. O evento foi apoiado pela Câmara Municipal da Figueira da Foz através da cedência do espaço, participação e ajuda na divulgação.

A exposição consistia numa secção inicial de enquadramento, em formato de posters, desenvolvida pela equipa ICS, uma secção de natureza técnica, concebida pela equipa da Universidade de Évora, com base em posters, suportes audiovisuais, modelos e espécimes geológicos. Na secção final, era pedido a cada visitante que partilhasse de forma escrita quais as suas preocupações e os benefícios deste projeto na sua opinião pessoal e por fim, uma votação sobre se estaria de acordo com o projeto ao largo da Figueira da Foz. Os investigadores estavam presentes ao longo da tarde para esclarecer as dúvidas dos visitantes e debater com eles diferentes aspetos do projeto.

Figura 2 Fotografias da exposição. Fonte: membros da equipa

Tivemos cerca de três dezenas de visitantes, homens e mulheres, alguns em família, outros sozinhos, alguns previamente conhecedores do projeto, outros atraídos pela divulgação feita. A maioria dos visitantes passou quase uma hora no espaço, observando, lendo, escutando atentamente as explicações, fazendo perguntas, comentando os materiais da exposição.

Ainda que a maioria dos visitantes se tenha mostrado favorável ao projeto de armazenamento de carbono, expressaram também as suas preocupações: questões de segurança (terramotos, fugas, contaminação ambiental, transporte), a pegada de carbono do próprio projeto, os custos (e quem os financiará) e os atrasos burocráticos, a necessidade de consultar a comunidade e o risco de atrasar ou renunciar à redução das emissões causadoras das alterações climáticas. Mas também reconheceram benefícios, como a mitigação das alterações climáticas e a proteção do ambiente, a responsabilização das indústrias, os ganhos económicos e a criação de emprego.

O evento foi bem-recebido, elogiado pela sua transparência e disponibilidade dos investigadores responderem às diferentes preocupações e dúvidas dos visitantes. Foi especialmente valorizado o facto de o evento ser feito numa fase embrionária do projeto e não quando as decisões já estão tomadas. No entanto, pelos comentários deixados nas redes sociais, nas publicações de divulgação do evento, é possível perceber que também há oposição à proposta do projeto, com críticas centradas no risco de favorecer soluções tecnológicas para as alterações climáticas em lugar da redução de emissões e de soluções baseadas na natureza. Estas discussões fazem parte do processo participativo e só demonstram o interesse das pessoas em envolver-se em projetos que afetam, de forma mais ou menos direta, a sua vida.

Algo que retiramos desta experiência é, sem dúvida, o valor das colaborações interdisciplinares: sem os módulos desenvolvidos pela equipa da Universidade de Évora, a exposição teria sido mais limitada e dificilmente geraria o interesse e o debate que esta proporcionou. Por fim, fazemos um balanço positivo dos meios utilizados para recolher dados científicos, não só os habituais post-its e votações, mas também a presença de uma antropóloga que fez observação participante durante o evento, registando as questões e os comportamentos de visitantes e investigadores (a autora Joana Sá Couto).

O evento cumpriu a sua função de criar um espaço aberto, disponível a todos os que quisessem participar. No entanto, é necessário notar que a abertura formal não se traduz necessariamente em participação efetiva. Por desconhecimento do evento ou por autoexclusão, a participação não foi tão alargada como o esperado e, apesar dos esforços de divulgação, o número e diversidade dos visitantes ficou aquém do almejado. Como tal, esta experiência não deve ser tomada como uma consulta à população, nem nos permite tirar conclusões firmes sobre a aceitação social da tecnologia. Ainda assim, o exercício revelou o valor de criar espaços de diálogo, mas mostrou que, para serem efetivos, os processos participativos têm que ir mais além, isto é, ser continuados, em formatos múltiplos e direcionados a diversas populações-alvo. Os resultados deste evento irão ser incorporados num relatório sobre envolvimento dos cidadãos, que irá contribuir para o desenho de recomendações sobre este tema em projetos de captura e armazenamento de carbono.

Ana Delicado é socióloga e investigadora principal do ICS-Ulisboa.

Jussara Rowland é socióloga, investigadora auxiliar no INESC-ID e investigadora associada no ICS-Ulisboa.

Joana Sá Couto é antropóloga, doutorada pelo ICS em Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável. Está neste momento a trabalhar no Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).