Por: Roberto Falanga e Daniel Silva
No âmbito do protocolo assinado entre o Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa e o PlanAPP – Centro de Competências de Planeamento, de Políticas e de Prospetiva, a equipa coordenada por Roberto Falanga, um dos autores deste post, teve a responsabilidade de produzir conhecimento sobre o estado da avaliação das políticas públicas em Portugal numa primeira fase, entre 2022 e 2023, e avançar com um modelo de monitorização e avaliação participativa numa segunda fase, em 2023. Neste post, debruçamo-nos sobre algumas das principais aprendizagens retiradas da segunda fase, que foi desenvolvida em parceria com a equipa coordenadora da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza (ENCP). A partir dessa tripla parceria, o ICS, o PlanAPP e a equipa coordenadora da ENCP estruturaram o primeiro Living Lab do género de que há conhecimento em Portugal, cujo foco foi a preparação de um roteiro para as entidades que irão envolver a população destinatária na monitorização e avaliação de medidas enquadradas e enquadráveis na ENCP. Convém salientar que o carácter inovador desta experiência adquire ainda mais relevância perante o quadro pouco animador da avaliação de políticas públicas no país, que foi apresentado num capítulo de autoria de Roberto Falanga e Camila Costa nos Cadernos do Observatório da Qualidade da Democracia 2023.
O Living Lab
O nosso Living Lab foi estruturado em três encontros de cocriação destinados à concretização do Objetivo Estratégico 6.1. da ENCP, que determina a necessidade de “garantir mecanismos de participação das populações em situação de vulnerabilidade no desenho, acompanhamento e avaliação da estratégia”. A premissa subjacente à criação do Living Lab foi aproveitar o conhecimento e experiência das diversas entidades para cocriar mecanismos de participação alinhados com os diversos contextos e gerar uma linguagem comum e um entendimento partilhado relativamente a esta questão, que facilite colaborações futuras. Os autores deste post tiveram como principal missão a construção conjunta de um roteiro que incluísse indicações e ferramentas aplicáveis no terreno com as populações destinatárias.
Foi organizado um encontro por mês, no espaço de três meses consecutivos, entre maio e julho de 2023, contando com a participação de catorze entidades distintas. O primeiro encontro consistiu na promoção de uma participação fundamentada através da apresentação dos objetivos e estrutura da experiência, bem como do quadro teórico que a suporta, juntando ainda o testemunho da France Stratégie, responsável pela avaliação da Estratégia Francesa de Prevenção e Luta Contra a Pobreza, que conta com uma forte componente participativa.

O segundo encontro consubstanciou-se na formulação de diretrizes temáticas a partir dos seis eixos da ENCP, que descrevemos sinteticamente abaixo, visando destacar aspetos cruciais, positivos ou críticos.
- Eixo 1: Reduzir a pobreza nas crianças e jovens e nas suas famílias
- Eixo 2: Promover a integração plena dos jovens adultos na sociedade e a redução sistémica do seu risco de pobreza
- Eixo 3: Potenciar o emprego e a qualificação
- Eixo 4: Reforçar as políticas públicas de inclusão social, promover e melhorar a integração societal e a proteção social de pessoas e grupos mais desfavorecidos
- Eixo 5: Assegurar a coesão territorial e o desenvolvimento local
- Eixo 6: Fazer do combate à pobreza um desígnio nacional

Por fim, o terceiro encontro visou definir as diretrizes metodológicas que, tendo como base os aspetos críticos definidos no encontro anterior e a sua transversalidade, pretendem orientar a constituição de grupos, as condições logísticas e a facilitação das sessões.

Pontos salientes do roteiro
A partir do material produzido ao longo do Living Lab, procurou-se definir critérios, indicadores e métodos de monitorização e avaliação participativa adequados aos aspetos críticos identificados pelas entidades participantes. Nesse sentido, convém esclarecer que por critérios entendemos os valores emergentes que deveriam nortear a monitorização e avaliação participativa; por indicadores entendemos a “operacionalização” dos critérios de uma forma realista e consistente; e por métodos entendemos a “medição” dos indicadores em conjunto com os grupos destinatários.
No que concerne às diretrizes temáticas, os participantes destacaram diversos aspetos relacionados com os eixos identificados pela ENCP, tais como o reforço da parentalidade positiva e dos apoios sociais. Salientou-se a necessidade de articulação entre ENCP e outras estratégias nacionais, contando com atores e órgãos locais para uma resposta eficaz aos atuais desafios do país, como a garantia de uma habitação digna, de trabalho e de participação ativa a nível individual e coletivo. A integração de populações marginalizadas deverá apoiar-se na definição de políticas que fomentem a articulação entre o setor económico e o setor social. Os participantes destacaram ainda a necessidade de melhorar a informação disponibilizada e o acesso à mesma, desburocratizando, sempre que possível, os serviços públicos. A redução da vulnerabilidade territorial deverá ser assegurada por processos de descentralização e promoção de oportunidades em todo o território nacional.
No que diz respeito às diretrizes metodológicas, os participantes consideraram oportuno garantir a viabilidade da participação das populações destinatárias através de trabalhos em grupos com um máximo de 8 a 10 pessoas cada. A partilha do mesmo idioma e, de modo geral, a fácil comunicação entre todos foram destacadas como condições primárias. Foram ainda referidas oportunidades e condicionantes relacionadas com a participação de crianças e jovens, com especial atenção àqueles em situação precária, com baixas qualificações e/ou rendimentos, com incapacidade e/ou deficiência. Sugeriu-se ainda a possibilidade de recompensas materiais ou imateriais, bem como o envolvimento de líderes comunitários para mobilizar e manter o interesse dos participantes. A acessibilidade e a familiaridade do local das sessões de monitorização e avaliação participativa são aspetos fundamentais, sendo a opção pelo virtual útil apenas para atividades com participantes dispersos geograficamente. As entidades sublinharam ainda a importância de se envolverem maisentidades na organização e facilitação, em particular entidades representativas dos grupos destinatários no território.
Reflexões para o futuro
O Living Lab demonstrou ser uma experiência bem-sucedida, como confirmado por todos os participantes e as três entidades parceiras, o ICS, o PlanAPP e a equipa coordenadora da ENCP. A produção do roteiro tem um grande potencial para suportar novas experiências de monitorização e avaliação participativa no terreno no âmbito da ENCP e não só. O Living Lab provou ser eficaz não apenas na cocriação do roteiro, mas também no reconhecimento da importância da monitorização e avaliação (participativa) de políticas públicas. Há ainda algum caminho para desbravar, mas queremos acreditar que as instituições democráticas saberão colher a oportunidade de envolver cada vez mais os cidadãos ao longo de todo o ciclo das políticas públicas, incluindo na sua monitorização e avaliação!
Roberto Falanga é Investigador Auxiliar no ICS-ULisboa. A sua área de investigação é a participação dos cidadãos no ciclo de políticas públicas.
Daniel Silva é Mestrando em Políticas Públicas no Iscte-IUL. As suas áreas de interesse são as políticas urbanas e políticas participativas.