Por Mónica Truninger e Sónia Cardoso
A crise económica iniciada em 2008/2009 e as políticas públicas de contenção apertada do orçamento de estado português tiveram como reflexo o decréscimo dos rendimentos disponíveis das famílias entre 2009 e 2014. Alguns estudos apontaram que foram as pessoas com rendimentos menos elevados que mais foram afetadas pela crise, tendo visto o seu rendimento diminuir cerca de 25%. Aliás, Portugal manteve-se como um dos países socialmente mais desiguais da Europa. Os indicadores de privação material também aumentaram neste período, bem como a taxa de pobreza, sobretudo a das crianças e jovens (Farinha Rodrigues et al., 2016).
Os constrangimentos económicos aliados ao recuo das políticas sociais conduziram à degradação das condições de vida de muitas famílias portuguesas. Contudo, as repercussões na alimentação permaneceram praticamente inexploradas. Passados 10 anos sobre o espoletar da crise económica em Portugal, quisemos saber como é gerida a alimentação das famílias carenciadas com crianças.
No próximo dia 7 de junho vamos discutir estas questões no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-ULisboa) no âmbito do Colóquio “Famílias e Alimentação em Tempos Difíceis”, onde serão apresentados os resultados preliminares do projeto com o mesmo nome pela equipa do ICS-ULisboa (Mónica Truninger, Karin Wall, Vasco Ramos, Fábio Augusto e Sónia Cardoso). Segue-se uma mesa redonda com alguns profissionais e especialistas nesta área, nomeadamente Pedro Graça (professor associado, FCNAUP/DGS-PNPAS), Rita Barbosa (serviços sociais da Junta de Freguesia de São Domingos de Benfica), Rui Matias Lima (DGE-Ministério da Educação) e Catarina Cruz (Observatório da Luta Contra a Pobreza na Cidade de Lisboa). O professor José A. Pereirinha do ISEG fará o comentário final.
O projeto de investigação “Famílias e Alimentação em Tempos Difíceis” está a ser realizado simultaneamente em Portugal, Noruega e Reino Unido, no âmbito do Conselho Europeu de Investigação (FP7/2007-2013 /ERC Grant Agreement n.° 337977), sendo coordenado por Rebecca O’Connell (University College London). Em Portugal, o projeto iniciou-se em agosto de 2016 e está a ser coordenado no ICS-ULisboa por Mónica Truninger e Karin Wall.
O objetivo principal é analisar as experiências e implicações da pobreza alimentar em agregados familiares com baixos rendimentos. Numa primeira fase, foram entrevistadas 45 famílias com menores a seu cargo (entre os 11 e 15 anos de idade) e com algum grau de privação material, residentes na área urbana de Lisboa e numa zona rural em Sintra. Realizámos 90 entrevistas (45 encarregados de educação/pais e 45 crianças) com uma duração até 3 horas.
Numa segunda fase, selecionaram-se doze famílias para serem visitadas de novo. Fizemos então outra entrevista com recurso a métodos visuais. Cedemos máquinas fotográficas e propusemos às crianças que retratassem as suas refeições (em casa e fora desta) durante duas semanas. Passado este período, recolhemos as fotografias e as crianças conversaram connosco sobre as suas experiências durante a atividade proposta. Foram ainda realizadas e documentadas visitas às cozinhas das famílias, e falámos com os pais para saber se existiram mudanças nas suas vidas desde a primeira entrevista.

Tendo em conta os objetivos do projeto, emergiram cinco grandes categorias de análise: condições económicas, pobreza alimentar, recursos para fazer face à pobreza refeições escolares e alimentação saudável. De seguida, apresentamos um sumário das principais questões às quais procuramos responder ao longo da nossa investigação.
- Condições Económicas
Os resultados apontam o desemprego como o principal factor explicativo das atuais condições económicas das famílias. Emergiram três grandes categorias: (1) desemprego de longa duração em que a crise económica iniciada em 2008/2009 surge como a causa principal; (2) desemprego de longa duração devido à saúde do próprio entrevistado (psicológica ou física) ou de outros (papel de cuidador); (3) situações ocasionais de emprego precário ou mal pago aliadas a desemprego (mesmo que ocasional ou de curta duração). Uma pergunta a fazer é saber qual o papel das políticas sociais para a melhoria das condições económicas das famílias.
- Pobreza Alimentar
Conclui-se que, apesar de a alimentação ser uma prioridade para as famílias e os episódios de fome serem esporádicos nesta amostra, isso não atenuou os constrangimentos sentidos. Face a este quadro, interessa-nos perceber: de que forma foram afetadas a quantidade e a qualidade dos alimentos consumidos? Os baixos recursos económicos permitiram manter um mínimo de participação social (ex. comer fora, receber ou visitar amigos para comer em casa)? E como são geridas as experiências de pobreza e quais as consequências psicológicas e emocionais associadas?
- Recursos para fazer face à Pobreza Alimentar
Os resultados mostram que as famílias recorrem a tipos de estratégias diferentes para reduzir os custos noutras áreas do seu orçamento familiar, de forma a preservar a sua alimentação. Para além disso, adotam estratégias criativas de gestão da alimentação, como a confeção de pratos baratos, que façam render (ex. muita massa ou arroz com pouca carne) e que cheguem para mais do que uma única refeição.
Mas valerá a pena perguntar se existirão diferenças nas estratégias adotadas entre as famílias a residir em meio rural e urbano. Por exemplo, terão as famílias residentes em meio rural um acesso mais privilegiado a alimentos frescos (ex. vegetais e frutas)? Ou será que as famílias em espaço urbano têm mais apoios para fazer face à pobreza alimentar? De facto, vimos que a ajuda formal (ex. apoios sociais, caridade) e informal (ex. amigos, familiares) mostrou-se crucial para todas as famílias. Mas como se caracteriza esta ajuda? E que fatores facilitam ou condicionam o acesso aos diferentes tipos de ajuda?
- Refeições Escolares
Em relação às refeições escolares observou-se que estas são muito importantes para as crianças de famílias carenciadas. Mas será que as crianças e os jovens gostam destas refeições? Por que será que o peixe não é tão apreciado?

- Alimentação Saudável
Relativamente às noções de alimentação saudável observámos que praticamente nenhuma família tinha dúvidas sobre o seu significado. Para além disso, reconhecem a importância de manter uma boa alimentação. Contudo, será que conseguem aceder aos ingredientes necessários para fazer e manter uma alimentação saudável? Será a sopa um prato habitual, simbolizando um proxy possível à alimentação saudável?
No Colóquio “Famílias e Alimentação em Tempos Difíceis” procuraremos dar resposta a estas questões com base nos dados recolhidos ao longo dos últimos dois anos. A articulação entre os dados recolhidos a partir das entrevistas com os métodos visuais mostrou ser crucial para uma visão mais alargada sobre esta temática. Para além disso, considerar a perspetiva das crianças e dar-lhes um papel de destaque neste projeto permitiu expor arestas que não haviam sido consideradas anteriormente e que enriqueceram a nossa compreensão sobre os desafios da alimentação nas famílias com baixos rendimentos. Os dados obtidos confirmaram alguns resultados sistematizados em pesquisas anteriores, porém, também ajudaram a desmistificar ideias e estereótipos veiculados na opinião pública sobre a alimentação das famílias de baixos rendimentos.
Se quiser saber mais, convidamo-lo a participar no Colóquio, cujo programa se encontra aqui. Poderá inscrever-se gratuitamente aqui.
Monica Truninger é Investigadora Auxiliar no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-ULisboa). monica.truninger@ics.ulisboa.pt
Sónia Cardoso é bolseira de pós-doutoramento no projeto “Families and Food in Hard Times”, no ICS-ULisboa. sonia.goulart.cardoso@ics.ulisboa.pt
Boa tarde ajuda-me a Plane mental por favor Eu aluguei um quarto não tem nem condição para alimentar Segurança Social não paga mas só para pagar a renda o dinheiro não chega mesma por alimento ajuda-me por favor por favor obrigado 968522119
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