Risco Ambiental e Relocalização: O Futuro Incerto de Duas Povoações Costeiras

Por: Michelle Dalla Fontana

Como reagiria se lhe dissessem que precisa de abandonar a sua casa devido a riscos ambientais? Esse é o dilema enfrentado pelos habitantes de Pedrinhas e Cedovém, duas pequenas povoações situadas na costa noroeste de Portugal.

Originalmente formadas como comunidades piscatórias, as duas povoações seguiram trajetórias de desenvolvimento distintas ao longo do final do século XX. Pedrinhas, que mantém os seus edifícios bem conservados, conta atualmente com cerca de 40 habitações sazonais e 7 abrigos de pescadores. Já Cedovém, localizada 300 metros mais a sul, evoluiu para uma área de construção mais densa, tornando-se um centro de pesca ativo. Hoje, abriga aproximadamente 49 habitações, predominantemente segundas residências, embora cerca de 12 famílias ainda vivam ali permanentemente. Além disso, dispõe de 7 restaurantes, 9 abrigos de pescadores, e cerca de 50 anexos.

Ambas as povoações estão localizadas na duna primária, próximo da costa, numa área sujeita a rápida erosão. Essa realidade tem sido uma crescente preocupação para as autoridades responsáveis que enfrentam o desafio de lidar com os riscos associados ao avanço do mar.

A person walking on a beach

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Figura 1: Lado norte de Cedovém, Novembro 2023, Foto do autor.

Em junho de 2023, o município de Esposende submeteu a consulta pública o “Projeto de Regeneração Ambiental e Valorização das Atividades Tradicionais de Pedrinhas e Cedovém”, propondo intervenções destinadas a garantir a gestão sustentável das zonas costeiras e a proteção das populações em risco.

Centrado na sua primeira fase em Cedovém, o projeto prevê a demolição de todas as habitações e infraestruturas. No entanto, a atividade piscatória será mantida, e os restaurantes serão relocalizados para o interior, em estruturas de madeira amovíveis. O projeto ainda inclui alimentação artificial da praia, recuperação das dunas, passadiços de madeira e a renovação da Avenida Marginal.

Contudo, o plano não esclarece o destino das famílias que ainda residem permanentemente em Cedovém. O Presidente da Câmara garantiu, em reuniões com os moradores, que ninguém ficará sem casa e que a autarquia está a adquirir terrenos para a construção de novos apartamentos. Ainda assim, a proposta gerou forte oposição de várias partes interessadas.

A resistência à relocalização planeada não é incomum e, muitas vezes, está enraizada no apego das pessoas ao lugar. No entanto, cada caso apresenta circunstâncias únicas, e compreender esses fatores é fundamental para desenvolver políticas de adaptação às alterações climáticas que sejam justas e eficazes.

Para compreender essa resistência, passei seis semanas em Cedovém, alojado numa das casas previstas para demolição. Observei como a povoação é vivenciada, realizei entrevistas, identificando-me como investigador, e testemunhei os efeitos da erosão costeira, agravados por eventos extremos como as tempestades Bernard e Celine (outubro-novembro de 2023). O que encontrei foi uma interação complexa  de fatores sociais e estruturais, que leva muitas pessoas a recusarem a relocalização, indo além do simples apego ao lugar.

A house on a rocky shore

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Figura 2: Cedovém, Outubro 2023, Foto do autor.

Os habitantes de Pedrinhas e Cedovém percecionam o risco de forma diferente das autoridades. Embora reconheçam algum perigo, muitos — principalmente pessoas idosas — sentem-se seguros, confiantes na sua experiência de viver ali sem registo de incidentes graves. Essa familiaridade pode levá-los a subestimar a ameaça, acreditando que a erosão ocorre de forma lenta e previsível. Dependendo da proximidade das suas casas à linha de costa, alguns não sentem urgência em relocalizar-se ou sequer consideram essa hipótese. Em contraste, a Agência Portuguesa do Ambiente e o município avaliam o risco de forma uniforme em toda a área, considerando nos seus relatórios a possibilidade de eventos extremos capazes de causar devastação súbita. Com base nesse entendimento, defendem a necessidade de medidas radicais. Essa diferença de perspetiva cria tensão entre a experiência da comunidade e o planeamento oficial, influenciando a forma como as pessoas percecionam a relocalização.

Outro fator relevante é a idade avançada de muitos residentes. Embora reconheçam que as condições podem deteriorar-se, não veem isso como uma preocupação imediata, mas sim um desafio para as gerações futuras. Para quem tem um horizonte de vida mais curto, cenários climáticos projetados para 2050 parecem distantes ou irrelevantes. Como consequência, a relocalização preventiva pode ser percebida como desnecessária ou até absurda.

Além disso, muitos entrevistados expressaram um forte sentimento de injustiça, pois veem Pedrinhas e Cedovém desprotegidas, enquanto áreas próximas, como a Praia de Ofir, beneficiaram de medidas de proteção. Situada dois quilómetros a norte de Pedrinhas, Ofir tem moradias residenciais, três torres de apartamentos de quinze andares e um hotel. Embora esteja sobre a duna, numa zona de risco, nem o Programa da Orla Costeira nem o município preveem intervenções de relocalização. Na prática, os custos de compensação necessários para realojar ou compensar os proprietários tornariam essa medida inviável para a administração local. Há também evidências de que os esporões construídos a norte de Pedrinhas e Cedovém agravaram a erosão, interrompendo o fluxo natural de sedimentos e acelerando a degradação costeira. Isso reforça a desconfiança no governo e o sentimento de injustiça. Assim, a relocalização é entendida como uma continuação de injustiças históricas, levantando questões sobre até que ponto os erros do passado devem ser considerados na formulação de políticas de realojamento.

Figura 3: Torres de Ofir, Foto do autor.

O caso de Pedrinhas e Cedovém ensina-nos algumas lições. O desalinhamento entre a perceção de risco da comunidade e a avaliação dos peritos gera tensões. Isso não se resolve apenas com educação e informação, mas exige envolvimento ativo das comunidades no planeamento, garantindo que as suas preocupações sejam integradas. A composição demográfica, especialmente a presença de residentes mais idosos, influencia a resistência à mudança. Modelos de relocalização geracional ou parcial, que permitem uma transição gradual, podem ser uma solução viável, sobretudo em países como Portugal, onde o envelhecimento populacional é um fator relevante. Por fim, a resistência à relocalização intensifica-se em comunidades com histórico de discriminação ou cuja vulnerabilidade resulta não só de fatores ambientais, mas também de políticas falhadas de proteção costeira, urbanização e habitação. Reconhecer essas responsabilidades é fundamental para garantir que as práticas de relocalização sejam justas e equitativas.

Michele Dalla Fontana é investigador pós-doutoral MSCA (Marie Skłodowska-Curie Actions) na Wageningen University. A sua investigação recente foca-se nos processos de retirada planeada e na relação entre mobilidade humana e incêndios florestais em Portugal, contribuindo para a adaptação às alterações climáticas na Europa.

One thought on “Risco Ambiental e Relocalização: O Futuro Incerto de Duas Povoações Costeiras

  1. ajpssobrinho's avatar ajpssobrinho 14 Abril 2025 / 5:26 am

    Muitas das situações que hoje se verificam no litoral português têm como causa principal a ocupação ilícita (em muitos casos) de terrenos do domínio público hídrico (que inclui os terrenos adjacentes ao litoral). Por outras palavras: construiu-se onde era desaconselhado construir.

    A então vila de Espinho, por exemplo, foi parcialmente destruída em 1896 devido à ocorrência de uma violenta tempestade. Nessa altura ainda não se falava em alterações climáticas.

    Assim, para além das habitações/abrigos de pescadores, surgiram edificações de diverso tipo que abusivamente “capturaram” franjas do litoral. Refiro-me a habitações secundárias, permanentes e, inclusive, instalações hoteleiras. Sem atenderem às consequências da implantação de tais empreendimentos temos casos como o das construções na praia de Ofir, conforme assinalado no texto.

    Muitos dos fenómenos de erosão do litoral estão associados à falta de alimentação em sedimentos devido à sua retenção em barragens e à construção de molhes de protecção que alteram a dinâmica natural da sedimentação, causando deposição numas áreas e erosão noutras.

    Não deixa de ser verdadeiro que hoje em dia as alterações climáticas vêm agravar o problema. Em 2012, técnicos do Instituto Hidrográfico, referiram ter constatado sinais de uma possível alteração dos padrões da ondulação (hipótese a ser confirmada), nomeadamente da sua orientação.

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