Nordeste brasileiro: diferentes narrativas sobre desenvolvimento e transição energética

Por: José Gomes Ferreira

O Nordeste brasileiro é constituído por nove estados, que ocupam 1.558.000 km². Segundo o Censo 2022 residem na região cerca de 55 milhões de habitantes. Dado o atraso no desenvolvimento económico, a possibilidade das energias renováveis integrarem os investimentos fez parte, em 1959, das prioridades do documento Uma política de desenvolvimento econômico para o Nordeste, coordenado por Celso Furtado, que deu origem à Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE).

Arranque

Foi a partir do apagão no fornecimento de eletricidade, ocorrido em 2001 e resultante da seca que afetou o Brasil, que a produção de energias renováveis foi desenvolvida. Ainda nesse ano, o Governo Federal avançou com o Programa Emergencial de Energia Eólica (PROEÓLICA), substituído no ano seguinte pelo Programa de Incentivo às Fontes Alternativas (PROINFA). Data também de 2001 o primeiro Atlas de Potencial Eólico Brasileiro, que mostrou que o Nordeste tem os ventos mais favoráveis à produção eólica. Em 2006, foi publicado o Atlas Brasileiro de Energia Solar, destacando igualmente o potencial produtivo do Nordeste. A implementação de empreendimentos eólicos tem sido muito rápida, enquanto que a produção de energia solar está ainda em fase de expansão.

Figura 1. Torres eólicas no acesso ao município de Rio do Fogo, Rio Grande do Norte, Brasil. Fonte: foto do autor (2017).

Atualidade

A atual matriz elétrica brasileira mostra uma redução do domínio da produção de base hídrica. A informação da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), referente a março de 2024, atribuía 51,3% da produção elétrica à energia hidroelétrica, com cerca de 103.000 MW. A produção de energia eólica correspondeu a 15,4% do total elétrico, equivalente a 31.134,5 MW, concentrando o Nordeste 28.923,7 MW dessa produção, essencialmente nos estados do Rio Grande do Norte (9.963,9 MW), Bahia (9.715,9 MW), Piauí (4.050,5 MW) e Ceará (2.568,3 MW). Por sua vez, a informação de setembro de 2024, da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) mostra que, apesar de a produção de base hídrica ter aumentado para 109.963 MW, o seu peso na produção de eletricidade diminuiu para 46,4% (Figura 2).

Figura 2. Matriz elétrica brasileira, setembro 2024. Fonte: Absolar (2024).

A informação da ABsolar integra dados sobre produção através da geração solar distribuída, correspondente à pequena produção em meio urbano, e da geração solar centralizada, correspondente aos grandes empreendimentos. Na geração distribuída destacam-se os estados de São Paulo (4.515,0 MW, correspondentes a 14,1% da produção nacional), Minas Gerais (4.087,3 MW), Rio Grande do Sul (2.961,4 MW), Paraná (2.960,1 MW) e Mato Grosso (2.048,4 MW). Os cinco estados concentram 51,9% de potência outorgada deste segmento. O primeiro estado do Nordeste no ranking é a Bahia, com 1,293 MW. Na geração centralizada os empreendimentos em operação com maior potência instalada estão localizados nos estados de Minas Gerais (5.087,8 MW), Bahia (2.403,7 MW), Piauí (2.097,9 MW), Ceará (1.251,6 MW) e Rio Grande do Norte (1.228,3 MW).

A perspectiva de evolução do setor é observada no Sistema de Informações de Geração da Agência Nacional de Energia Elétrica (SIGA/ANEEL), com dados atualizados a 1 de setembro de 2024, com informação sobre os empreendimentos com potência outorgada em funcionamento, em construção e sem construção iniciada. No Nordeste, o estado de Alagoas é o único que não possui empreendimentos eólicos em operação, construção ou com construção prevista. Quanto ao estado de Sergipe apresenta apenas parques em operação (34.500,00 MW). Os 8 estados com parques em operação somam 28.124.304,14 MW de potência instalada. O estado da Bahia possui 10.332.400,64 MW e o Rio Grande do Norte 8.726.386 MW. Os parques em construção nos 7 estados somam 3.258.80 MW e os parques sem construção iniciada 18.192.900 MW. Bahia (8.377.400 MW), Ceará (2.763.300 MW), Piauí (2.446 000 MW) e Rio Grande do Norte (2.281.100 MW) são os estados com maior potência outorgada em empreendimentos sem construção iniciada. 

Os nove estados do Nordeste possuem empreendimentos solares fotovoltaicos de geração concentrada em funcionamento, pese o fato de o Sergipe não ultrapassar 800 MW, para um total do Nordeste de 7.833.962 MW. Os empreendimentos em construção estão distribuídos em apenas cinco estados, totalizando 1.708.286 MW. O destaque vai para os empreendimentos que aguardam construção, somando 72.281.057 MW de potência outorgada, em particular nos estados da Bahia (21.677.312 MW), Piauí (17.503.787 MW), Ceará (15.429.220 MW) e Rio Grande do Norte (8.588.665 MW). 

Narrativas

A produção de energias renováveis apresenta diferentes narrativas. Na imprensa tradicional, em sites dos órgãos públicos e de empresas do setor, a atividade é descrita como promotora do desenvolvimento, na medida em que cria emprego, gera rendimento e significa produção limpa. Contrariamente, os meios de comunicação identificados como progressistas, avaliam negativamente os impactos, dando visibilidade às preocupações das comunidades em aspectos como a proteção do ambiente, os efeitos na saúde e no modo de vida tradicional, destacando os chamados “filhos do vento”, adolescentes que engravidam de trabalhadores das eólicas, em resultado da permanência temporária destes nos territórios durante a fase de construção dos empreendimentos.

Figura 3. Pôr-do-sol na praia de Tourinhos com as eólicas ao fundo, São Miguel do Gostoso/RN. Fonte: foto do autor (2019).

Linhas para futuras pesquisas

Com a previsão da diminuição de disponibilidade hídrica, mostrada na análise das secas e cobertura vegetal pelo Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (LAPIS) e pelo MapBiomas, o Brasil necessita de avançar com outras opções de produção de energia elétrica, estando previsto o arranque da produção eólica offshore no Nordeste e a produção de hidrogénio verde. Com a aprovação do marco legal nacional do hidrogénio verde e de hidrogénio de baixo carbono, o estado do Ceará avançou com o Complexo do Pecém. A previsão é que o Rio Grande do Norte, Bahia e Piauí também avancem. Discute-se a possibilidade de desenvolvimento da cadeia do hidrogénio verde vinculada a setores produtivos estaduais, entre eles a indústria cimenteira do Rio Grande do Norte, assim como o armazenamento e exportação da produção. A comoditização das energias renováveis dará visibilidade aos impactos sobre as comunidades. O tema carece, pois, de acompanhamento.


José Gomes Ferreira é atualmente professor visitante no Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade Estadual da Paraíba, na qual é igualmente professor na Licenciatura em Sociologia. É ainda professor permanente do Programa de Pós-graduação em Estudos Urbanos e Regionais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. jose.ferreira@outlook.com 

Comentar / Leave a Reply